sábado, 9 de janeiro de 2016

A Visita Cruel do Tempo: Um romance cujo protagonista é o tempo.




Ficha técnica:
Título: A Visita Cruel do Tempo
Autor (a): Jennifer Egan
Editora: Intrinseca
País de origem: EUA
Título original: A Visit from the Goon Squad
Lançado no Brasil: 2012
Gênero: Romance Americano/Ficção

A Visita Cruel do Tempo é uma obra que esbanja pós-modernidade, tanto na história que é contemporânea quanto na forma de escrever. A norte americana Jennifer Egan cria um set de personagens que não vivem diretamente uma mesma história, mas que sempre em algum momento de suas vidas entram em contato e dividem o mesmo espaço e tempo. Trata-se de uma série de contos independentes que, no entanto, estão em total sintonia uns com os outros. A autora utiliza uma série de formas narrativas, hora em primeira pessoa, hora em terceira pessoa dependendo da personagem. Ela narra acontecimentos ocorridos dentro de um período de 50 anos. Mas é o leitor que deve se orientar e tentar entender em que época cada um deles está vivendo. E ela não omite informações para nos guiar.
Em um conto/capitulo inteiro Egan se utiliza de gráficos criados no “Power Point” que na história foram feitos por uma personagem infantil para explicar de forma simplista um momento chave da vida de Sasha Blake, mãe da criança, que é protagonista de um dos contos do livro. A garota faz uma apresentação de slides explicando como sua família se relaciona e como seu irmão Lincoln que sofre de autismo é fascinado por pausas de músicas de Rock n’ rol. Egan usa uma ferramenta tecnológica moderna para expor sua história ao leitor. Trata-se de uma estratégia narrativa inovadora.
Esse romance desafia o leitor a construir a história em sua memória através de fragmentos perdidos no tempo vivido por pessoas diferentes que eventualmente se encontram. Por isso uma única leitura pode não ser suficiente. Esse livro merece uma reflexão mais ampla e uma maior dedicação. Jennifer Egan o conduz por uma série de pontos de vistas e de historietas subjetivas para que o leitor consiga adicionar sua própria reflexão sobre a crueldade do tempo. São personagens extremamente humanos que passaram por desilusões amorosas, problemas com drogas, obsessões compulsivas e perdas.
Ou seja, na falta de um personagem central na história, o tempo se torna o grande protagonista. Pois o tempo é soberano e não há uma só personagem desse livro que não esteja sofrendo pela ação dele. Como o produtor musical que começou sua carreira como baixista de uma banda punk que não prosperou e sua secretária cleptomaníaca que certa vez fugiu para a Europa em busca de aventuras e foi resgatada pelo seu tio pilantra. Um romance que foge ao convencionalismo do romance americano atual, que no entanto, se utiliza de vários elementos da cultura pop americana, como bandas punk tentando seu lugar ao sol na década de 1970, roqueiros decaídos tentando reviver suas carreiras em um momento onde a indústria da música passa por um momento crítico. Um dos contos nos leva aos bastidores dessa indústria e sua relação com o jornalismo contemporâneo, que tem total responsabilidade pela construção de celebridades rentáveis.
Se podemos fazer um paralelo dessa obra com alguma outra, eu diria que na forma ele se aproxima do livro “A Festa” do escritor brasileiro Ivan Ângelo que se utiliza de fragmentos narrativos diversos para chegar a construir um romance completo. Mas essa comparação termina aqui, pois as personagens de Egan são muito profundas e sofrem as metamorfoses causadas pelo tempo. Diferentemente das personagens de “A Festa” que são todas caricatas de pouca ou nenhuma profundidade. E se a obra de Ivan Ângelo é fruto do momento político em que o autor vivia – Ditadura Militar no Brasil. O Livro de Jennifer Egan é fruto de sua própria reflexão sobre o tempo. A crítica de Jennifer Egan aparece vez ou outra quando deixa claro que a indústria musical é uma convenção de cafajestes, ou quando critica através de um dos contos a hipocrisia da mídia americana e os profissionais que trabalham nos bastidores para criar uma imagem generosa de fascistas autoritários.
“A visita cruel do tempo” não é um romance convencional. Brinca com o tempo cronológico e psicológico das personagens e a autora ainda ousa viajar à um futuro próximo, algum ano da década de 2020, quando as pessoas se encontram aficionadas por aparelhos de comunicação instantânea. De certa forma ela descobre um novo rumo para a indústria fonográfica que terá profissionais trabalhando, outra vez nos bastidores, para que um artista totalmente desconhecido se torne uma celebridade instantânea. É só uma questão de investimento.


EGAN, Jennifer. A Visita Cruel do Tempo. Editora Intrínseca. Rio de Janeiro, 2012.Tradução de Fernanda Abreu.



André Stanley é escritor e professor de História, Inglês e Espanhol, autor do livro "O Cadáver", editor dos blogs: (Blog do André Stanley, Stanley Personal Teacher). Colaborador do site especializado em Heavy Metal Whiplash. Foi um dos membros fundadores da banda de Heavy Metal mineira Seven Keys. Também é fotógrafo e artista digital.

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