segunda-feira, 4 de julho de 2016

O Fantástico dentro do Boom da Literatura Hispano-americana.

En La Playa de Chelin Sanjuan | Foto: Reprodução

A literatura hispano-americana antes da década de 60 apesar de contar com grandes nomes, era relegada à um certo ostracismo. Muitos escritores nunca almejaram ultrapassar as barreiras de seus países. No entanto, um fenômeno literário ocorrido nas décadas de 60 e 70 propulsionou a literatura americana de língua espanhola para diversos cantos do planeta. Trata-se do chamado Boom da literatura hispano-americana. Apesar da qualidade inquestionável de todos os seus representantes mais ilustres, não parece ter sido um movimento acidental. Seus membros trocaram correspondências, discutindo de forma crítica as obras uns dos outros e estabelecendo desafios para vencer as imposições do realismo europeu. Esse intenso intercâmbio de ideias fez surgir as diretrizes fundamentais que caracterizariam formalmente as obras publicadas durante esse período histórico da literatura latino-americana. Os maiores representantes desse período foram o Colombiano Gabriel Garcia Marques, o argentino Júlio Cortázar, o peruano Mario Vargas Llosa, o Mexicano Carlos Fuentes, dentre outros.
O nome do movimento está geralmente ligado ao sucesso comercial das obras desses autores, que migraram quase todos para a Europa durante a década de 60 e 70, lá encontraram um mercado editorial muito ativo e isso facilitou na repercussão internacional de suas obras. O Boom hispano-americano foi o catalisador de uma corrente literária que mostrou ao mundo talentos que de outra forma não teriam seu lugar ao sol.
A consolidação do movimento como poderosa corrente literária só foi possível devido ao caráter inovador que esses autores propunham como saída a mesmice formal que a literatura vinha passando, e um dos elementos buscado pelo grupo foi a difusão do chamado Realismo fantástico, ou mágico segundo alguns analistas. Nosso objetivo nesse artigo é definir esse conceito dentro do movimento já que não foram os autores hispano-americanos que inventaram esse tipo de narrativa, como muitas vezes um leigo possa vir a acreditar.  


A literatura fantástica – um breve histórico


Pretendemos analisar nesse texto os elementos formais desse tipo de narrativa e porque tem relevância para a literatura latino-americana como um todo, afinal de tão grande exposição de certas obras que se tornaram clássicos da literatura mundial, a literatura da américa espanhola parece ter ficado aprisionada dentro das diretrizes formais estabelecidas pelo Boom.
O Realismo Mágico surgiu dentro do Boom, como linguagem alternativa essencial para se contrapor ao extremo realismo que o romance estava seguindo. Com essa forma de narrar, o autor poderia falar de aspectos peculiares de sua cultura, como lendas, tradições e verdades preestabelecidas de forma natural sem desconstruir a realidade. Ou seja, o mágico faz parte da realidade de seus povos. Portanto a criação e utilização do Realismo Mágico por essa corrente literária foi quase uma necessidade metodológica para se abrir para o mundo como uma proposta de recuperar o romance das trevas do tédio racionalista que ele estava submerso, e dar a ele elementos que pudessem desafiar o leitor. O que devemos ter em mente é que o mágico na literatura existiu desde tempos imemoriáveis.

O aspecto extraordinário e fantástico sempre esteve presente na Literatura. Desde a relação íntima entre deuses e homens de Homero, onde as divindades interferiam na vida mundana, participavam ativamente dos eventos, o sobrenatural e o inexplicável foram incorporados pela Literatura e utilizados para expressar uma verdade maior. (BUGALLO)



Ou seja, a literatura é talvez a arte que mais se viu livre para a utilização de elementos fantásticos como narrativa. Alguns autores identificam o início da literatura fantástica no XVIII na França. Considerado a época das luzes, o século XVIII foi marcado pelo racionalismo, motivo pelo qual os filósofos questionaram superstições, ideias irracionais, até mesmo os dogmas indiscutíveis da fé. A própria religião, em meio à onda racionalista, passou a examinar minuciosamente os milagres alegados pela população. [...] a literatura fantástica apareceu para contestar o racional (p.2)
Alguns autores identificaram diferentes etapas desse gênero através dos séculos. No final do século XVIII e início do XIX esse gênero exigia a presença de elementos sobrenaturais, como monstros e fantasmas e tinha como objetivo provocar e explorar o medo dos leitores. Em meados do século XIX passou a explorar o psicológico abordando temas como a loucura e a alucinação provocando a angustia dos leitores. Alguns autores se destacaram dentro desse quesito como o norte americano Edgar Alan Poe. No século XX o fantástico passa a ser inserido dentro de elementos cotidianos, dando ao leitor a impressão de estar vendo a realidade como ela é, mesmo que esses elementos provoquem incoerências na narrativa.
Portanto, podemos notar que a história da literatura fantástica não é inerte e sofreu diferentes abordagens com o passar dos séculos. O escritor Tcheco Franz Kafka, cujo nome se tornou um adjetivo para obras de aspecto incoerentes e que exploravam o absurdo dentro da realidade cotidiana pode ser descrito como um dos grandes nomes europeus desse gênero. De acordo com Todorov que procurou estudar o gênero fantástico.

A essência desse gênero consiste na irrupção, em nosso mundo, de um acontecimento que não pode ser explicado pelas leis racionais. É nesse momento que surge a ambiguidade, a incerteza diante de um fato aparentemente sobrenatural. O sentimento de dúvida causado no leitor permite a aparição do fantástico”. (2004)


Sendo assim a escola literária chamada de Realismo Mágico vem de uma tradição muito antiga. O carácter original do Realismo Magico hispano-americano foi uma adaptação do gênero fantástico para a realidade cotidiana dos povos latino americanos.


 O Realismo Mágico dentro do Boom.


Como já mencionamos acima os autores mais proeminentes do Boom criaram diretrizes formais para suas obras estabelecendo certo padrão de narrativa que já foram usadas por outros gigantes da literatura mundial. O estabelecimento dessas diretrizes formais é parte importante na história do gênero fantástico. No entanto o Realismo Mágico ou Realismo Fantástico latino americano se diferencia da literatura fantástica europeia ao trazer o elemento mágico para dentro da narrativa cotidiana sem se preocupara em causar no leitor qualquer calafrio.

O insólito, em óptica racional, deixa de ser o “outro lado”, o desconhecido, para incorporar-se ao real: a maravilha é(está) (n)a realidade. Os objetos, seres ou eventos que no fantástico exigem a projeção lúdica de suas probabilidades externas e inatingíveis de explicação, são no realismo maravilhoso destituídos de mistério, não duvidosos quanto ao universo de sentido a que pertencem. Isto é, possuem probabilidade interna, têm causalidade no próprio âmbito (CHIAMPI, 1980, p. 56).

 
Julio Cortázar
Podemos considera que o Realismo Mágico dentro o Boom da Literatura Hispano-americana surgiu como uma alternativa de narrativa ao realismo europeu do século XX. Os autores dessa corrente literária foram exitosos ao acompanharem o processo histórico da literatura fantástica e optaram por usar elementos mágicos dentro da própria narrativa sem a intenção de simplesmente entreter o leitor, mas causando nele a dúvida. Dessa forma a cultura latino-americana passou a ser difundida através das obras produzidas por esses autores. Devido ao formato muito limitado desse artigo não analisamos as obras nem os autores que mais se destacaram dentro dessa corrente, ficando para uma nova oportunidade nos aprofundar dentro desse gênero que até hoje se confunde com a própria literatura latino-americana.


Bibliografia







    André Stanley é escritor e professor de História, Inglês e Espanhol, autor do livro "O Cadáver", editor dos blogs: (Blog do André Stanley, Stanley Personal Teacher). Colaborador do site especializado em Heavy Metal Whiplash. Foi um dos membros fundadores da banda de Heavy Metal mineira Seven Keys. Também é fotógrafo e artista digital.

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