domingo, 8 de janeiro de 2017

A Nascente – a literatura a serviço da ideologia



Imagem André Stanley



Ficha técnica:

Título:A Nascente
Autor (a): Ayn Rand
Editora: Arqueiro
País de origem: EUA
Título original: The Fountainhead
Ano de Lançado: 1943
Gênero: Romance Americano/Ficção


A Nascente é um livro muito influente nos EUA. Foi publicado em 1943 e trata-se do segundo romance escrito pela autora russa naturalizada americana, Ayn Rand. Não há nada essencial que o possa diferenciar dos mais populares romances americanos dessa mesma época. A história é narrada em terceira pessoa, sendo que muitos diálogos são utilizados para demostrar o relacionamento de repulsa e atração entre os diversos personagens da obra. Obedece ao rigor da ordem cronológica dos fatos, com algumas reminiscências de alguns personagens. Se há algum diferencial no livro não está na sua estrutura formal, mas sim no enredo que é propositalmente muito detalhado e é possível notar o peso ideológico da autora, que era graduada em filosofia, a cada acontecimento. A história parece demonstrar ao leitor, de uma forma quase pedagógica, como seria o homem ideal, como deveríamos proceder para atingir nossos objetivos pessoais de uma forma totalmente egoísta deixando de lado qualquer manifestação de altruísmo que possamos cultivar influenciados por familiares, religiões ou outras instituições. Trata-se do cerne da filosofia da autora que foi batizada pela própria de “Objetivismo. ” Ou seja, é quase um livro didático demonstrando como viver nesse mundo. Um tipo de autoajuda para os empreendedores de sua época.

O protagonista parece acumular todas as virtudes apreciadas pela autora, como o desapego as construções abstratas criadas pela sociedade, o compromisso com seu ideal acima de tudo e como já foi dito, o egoísmo exacerbado que para a autora é preferível a um altruísmo inútil.

Há personagens bem caricatos, como Ellsworth Toohey, que encerra nitidamente em si uma opressão socialista que a própria autora sofreu enquanto vivia na antiga União Soviética. Temos também Dominique Francon, uma jornalista que nunca perde um debate. São personagens bem rasos e por isso nunca notamos uma mudança de perfil psicológicos neles. Talvez com exceção de Keatting que é um dos arquitetos que protagonizam a história. Sofre com perdas e com arrependimentos, e assim podemos notar uma profundidade maior em suas atitudes, no entanto ele é o típico personagem apático que parece representar a maior parte da sociedade dominada pelas escolhas alheias. Os outros são basicamente perfis psicológicos imutáveis que ilustram a forma de ver a vida da autora filosofa. 

O fato de os personagens serem muito rasos pode estar, segundo alguns analistas, no fato de Ayn Rand tê-los elaborado a partir de personagens de filmes pastelões da sua época. Ayn Rand era muito próxima da indústria cinematográfica e tentou fazer carreira como roteirista e até atriz. Ela própria escreveu o roteiro cinematográfico dessa obra quando foi levada ao cinema em 1949. Mas foi na literatura que ela se tornou conhecida.

Ou seja, um romance que demonstra muito do pensamento de direita americano, de livre mercado e de “faça como deve ser feito, não como querem que você faça”, no entanto, há elementos que não nos deixa simplesmente taxa-la de conservadora extremista, como sempre temos a impressão de ser. A mulher na obra de Rand, por exemplo, tem papel fundamental e não é um simples adorno romântico aos dramas do homem. Dominique Francon é o tipo de mulher que a autora imagina para uma sociedade melhor e libertária. Ela debate com os intelectuais, aprecia arte moderna, não acredita no amor romântico, se entrega a quem lhe dá prazer e age com escarnio a quem lhe tenta mostrar um manual de bom comportamento. Uma mulher insuportável para uma sociedade machista, isso na primeira metade do século XX. 

Ou seja, Ayn Rand é aquele tipo de personagem que vez ou outra surge para oxigenar o debate sobre como construir uma sociedade moderna. É direitista, e vez ou outra é exaltada pelos republicanos, mas repudia elementos da própria direita cristã ao defender o ateísmo e a liberdade feminina. E essa obra reflete perfeitamente toda essa contradição ideológica, através do antagonismo vivido pelos arquitetos Keating e Roark. A autora busca discutir as desavenças entre o coletivo e o individual, criando um mundo onde o coletivo já nasce derrotado.

Um ponto positivo da obra fica por conta das mudanças em curso no campo da arquitetura do século XX que vinha deixando as formas clássicas de construção para uma forma mais pragmática, onde o uso do espaço de forma mais prática passou a ser o carro chefe, ao invés de elementos simplesmente estéticos. Essa mudança na mentalidade dos arquitetos é bem exemplificada na obra. Podemos notar que a autora fez um árduo trabalho de pesquisa sobre arquitetura para compor esse livro.

Ayn Rand
Como obra literária o romance é muito fraco. Não desafia o leitor a questionar ou a contestar. É praticamente uma parábola sobre o bem viver e sobre o que realmente devemos buscar na nossa vida. Essa estrutura engessada cria uma incoerência na verossimilhança da obra. Os personagens estão muito distantes da realidade nua e crua servindo apenas como simples alegorias para a apresentação de uma filosofia de vida. São como modelos desfilando em uma passarela tentando vender roupas espalhafatosas que ninguém em sã consciência iria usar no seu dia a dia. Uma trama ideologizada demais para uma escritora que se diz pragmática. Vale a pena ler como exercício de pensar sobre o que não é literatura.




André Stanley é escritor e professor de História, Inglês e Espanhol, autor do livro "O Cadáver", editor dos blogs: (Blog do André Stanley, Stanley Personal Teacher). Colaborador do site especializado em Heavy Metal Whiplash. Foi um dos membros fundadores da banda de Heavy Metal mineira Seven Keys. Também é fotógrafo e artista digital.

Um comentário:

  1. Veja mais sobre Ayn Rand aqui http://carlosliliane64.wixsite.com/magiaeseriados/o-materialismo

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