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Imagem Angeline Valentius (Deviant art) |
O patinho Feio de Hans
Christian Andersen já foi tema de vários estudos e teses diversas em muitas das
áreas do conhecimento. O termo Patinho Feio hoje já está inserido no
inconsciente coletivo do mundo ocidental.
É um daqueles termos oriundos de fabulas populares, que se concretizaram
como expressões idiomáticas alegóricas para descrever o comportamento humano.
Por exemplo, quando atribuímos a uma pessoa o adjetivo “ovelha negra” todos
sabemos que estamos dizendo que essa pessoa não compartilha dos mesmos ideais e
interesses daqueles que o cerca – amigos e familiares. Sabemos isso sem nunca
ter lido ou ouvido a popular fábula de onde essa expressão certamente se
originou. O Patinho feio se tornou um adjetivo muito recorrente em blogs e
websites. Encontramos várias matérias que usam esse termo no título. Como: “‘Não somos mais o patinho feio’, diz Atalasobre gastronomia latina” esse é o título da matéria onde o chef brasileiro
defende a culinária latino-americana. Uma rápida procura no google vai nos
mostrar que muitos blogueiro se utilizam dessa expressão para tentar fazer seus
leitores entenderem que estão falando de uma condição que já sofreram, o fato de
terem sido feios. “Ontem meu pai dissepenalizado à minha madrasta, que eu sempre fui o patinho feio da família...”ou então “Sou o patinho feio da família
literalmente”. Outro exemplo é a matéria se referindo a Top model Gisele
Bündchen: “De patinho feio na escola amodelo mais bem paga no mundo. ”
Podemos notar que o conto
de Andersen criou uma possibilidade de expressão linguística muito coerente e
dotada de um significado bem claro. Diferentemente do termo “ovelha negra” que
tem hoje um significado exclusivamente pejorativo, “Patinho feio” nos remete a
alguém que supera sua “feiura” ou que descobre sua beleza em algum momento de
sua vida.
Como o conto de Andersen
trata especificamente do paradigma da beleza e da feiura, acho que o mundo da
moda oferece os melhores exemplos onde essa alegoria pode ser utilizada. Vemos
que as modelos seguem um padrão de beleza rígido, onde não é incomum vermos
notícias de modelos que se adoentaram ou morreram por conta de um compromisso
extremo com o padrão de beleza preestabelecido pela indústria da moda. Nem
todas as modelos nasceram belas. A maioria teve uma infância e adolescência muito
ordinária onde raramente tinham sua beleza notada. Elas se descobrem belas
quando tem a chance de entrar para o mundo da moda. O conto de Andersen expõe
de forma muito eloquente a incoerência dos padrões de beleza preestabelecidos,
pois os irmãos do Patinho Feio, que era na verdade um cisne em um ninho de
patos, caçoavam dele por ser muito “grande” e “desengonçado” diferente de todos
os outros. Se você julga a diferença do outro baseado em seus próprios conceitos,
você corre o risco de cair na mesma armadilha dos patinhos que eram todos
iguais, pois iremos julgar utilizando parâmetros pessoais e preconceituosos. Os
irmãos estavam cegos ao fato de aquele Patinho desengonçado ser na verdade uma
outra espécie de ave. Ou seja esses irmãos tinham uma visão muito rasa da
realidade.
Esse conto é uma forma de
introduzirmos na criança de uma forma lúdica, a noção de preconceito,
prejulgamento, padrões abstratos e exclusão. Aspectos que toda criança terá que
enfrentar no decorrer de sua vida.
Segundo o psicanalista
Bruno Bettelheim, “a tarefa mais importante e também mais difícil na criação de
uma criança é ajuda-la encontrar significado na vida” (BETTELHEIM, 1980, p.11).
Devemos lembrar que Bettelheim é o autor da clássica obra “A Psicanálise dos
contos de fadas”, onde fez uma análise psicológica de diversos contos de fadas.
Munido de um referencial teórico profundamente freudiano, Bettelheim apresenta
um padrão psicológico recorrente em todos os contos mostrando que os contos de
fadas são histórias que procuram nos dar um significado para os problemas que
enfrentamos na vida. O patinho feio poderia entrar nesse tipo de análise
psicológica. Elementos como o pai que pode, vez ou outra, pensar que seu filho
fora trocado na maternidade e a própria criança que pode também sofrer a
angustia de achar que um dia lhe será dito que não é filho de seus pais e que
vive uma mentira.
No entanto, não é o
objetivo desse artigo analisar a psicologia do conto, mas sim os aspectos sociais
que envolve essa história. A literatura infantil nos dá a oportunidade de
entrar em contato com os desafios mais básicos que enfrentamos durante a vida,
por isso as histórias são muito simples, pois as crianças ainda não possuem uma
capacidade de abstração desenvolvida. Por isso devemos ajudá-la a construir seu
mundo psicológico de uma forma simbólica.
Em certo grau todos nos
identificamos com alguns de seus personagens. O Patinho Feio é o típico
personagem que sofre a exclusão de seus irmãos, por ser o único dentre eles com
características físicas distintas das do restante da família. Muitos de nós nos
sentimos excluídos. E muitas vezes o motivo da exclusão é uma característica
pessoal que nos faz diferir dos outros membros da família ou do nosso grupo de
convivência social. Podemos usar como exemplo um imigrante que tem que lidar
com seu exotismo momentâneo por ser praticante de um modo de vida diferente
daquele que está inserido, ou o filho homossexual que sofre por não atender as
idealizações tradicionais de sua família, ou o filho adotado que eventualmente
tem que enfrentar a ira dos irmãos. Na bíblia encontramos algo desse gênero na
história de José do Egito que é vendido como escravo por seus irmãos por que
segundo eles ele era o preferido do pai e ao final da narrativa, José também
consegue dar a volta por cima e se tornar um dirigente respeitado, mas para tal
foi necessário que tivesse um pasto fértil onde seus talentos tivessem a chance
de fazê-lo prosperar.
Podemos dizer sem exagero
que o Patinho Feio de Andersen sintetiza um fenômeno universal, todos os conceitos
que nos rodeiam são construções sociais abstratas, que por isso são divergentes
de uma sociedade para outra. O relativismo no conceito de belo e feio é exposto
por Andersen no fato de que o Patinho Feio não precisou de um beijo de uma
princesa ou de uma poção mágica para se tornar uma ave de grande beleza. Ele
simplesmente cresceu e todos descobriram que não era um pato. O Patinho Feio,
agora um belo cisne, simplesmente descobriu quem realmente era e sua família de
patos tiveram que conviver com o fato de eles estarem cegos por um padrão de
beleza tão irreal.
Quando chegar a hora os
pequenos leitores que se aventurarem pela leitura desse conto terão que
enfrentar dilemas como esses citados acima ou ainda mais conflituosos que
estes. Reside aí a importância da literatura infantil para o desenvolvimento de
um indivíduo. A boa literatura para crianças não tem o intuito de poupá-las do
sofrimento e das dificuldades sociais, mas mostrar a elas de uma forma
simbólica, como terão que enfrentar esses desafios.
Bibliografia:
- · ANDERSEN, Hans Christian. Os Contos de Hans Christian Andersen, Portugal, 2012
- · BETTELHEIM, Bruno. A psicanalise dos Contos de Fadas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980.
- · CONFESSAR, Sou o patinho feio da família literalmente. Disponível em: http://www.confessar.com.br/2015/02/03/sou-o-patinho-feio-da-familia-literalmente/ Acesso em: 05/12/2015
- · ___________, Ontem meu pai disse penalizado à minha madrasta, que eu sempre fui o patinho feio da família. Disponível em: http://www.confessar.com.br/2015/07/20/sindrome-de-patinho-feio/ Acesso em: 05/12/2015
- · FOLHA DE SÃO PAULO, "Não somos mais o patinho feio", diz Atala sobre gastronomia latina, Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/comida/2013/05/1283511-nao-somos-mais-o-patinho-feio-diz-atala-sobre-gastronomia-latina.shtml. Acesso em 05/12/2015
- · MACHADO, Carla Silva. NEM BELO NEM FEIO, APENAS DIFERENTE: LITERATURA INFANTIL E DIVERSIDADE, Universidade Federal de Juiz de Fora. 2005.
- · REVOREDO, Andressa, Rodrigues. Site Pensador. Disponível em: http://pensador.uol.com.br/frase/MTc5NjAxOQ/ Acesso em: 05/12/2015
- · TERRA, De patinho feio na escola a modelo mais bem paga no mundo, Disponível em: http://moda.terra.com.br/spfw/depois-de-bullying-gisele-bundchen-vira-modelo-maie-bem-paga,30a82e8ca65dbf647f583df32802b23e7e4lbem6.htmlAcesso em: 06/12/2015
- André Stanley é escritor e professor de História, Inglês e Espanhol, autor do livro "O Cadáver", editor dos blogs: (Blog do André Stanley, Stanley Personal Teacher). Colaborador do site especializado em Heavy Metal Whiplash. Foi um dos membros fundadores da banda de Heavy Metal mineira Seven Keys. Também é fotógrafo e artista digital.
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