Casos de crianças assassinas são raros e
por isso quando nos deparamos com um no noticiário, isso parece muito mais
absurdo do que realmente é. A polícia paulista está convicta que um garoto de
13 anos foi o responsável por uma chacina familiar de proporções únicas. Mas o caso Pesseghini pode reabrir a discutição da possibilidade
da psicopatia infantil. Eu, desde o primeiro momento, sempre achei improvável
que um garoto de 13 anos pudesse ser o protagonista de tal feito, matar pai e
mãe e ainda duas tias avós. No entanto, apesar de improvável não pode ser tido
como impossível. Casos de crianças homicidas ocorrem vez por outra em todos os
cantos do mundo. Creio que a psicopatia é uma condição difícil de detectar,
ainda mais quando o indivíduo é jovem demais para que possamos descartar
qualquer eventual rebeldia adolescente que possa estar em vigor no psiquismo de
uma pessoa.Vamos estudar dois casos emblemáticos de crianças
psicopatas que podem nos dar uma ideia sobre como funciona o
psiquismo de uma criança.
O Caso Beth Thomas
Lembro que um dia, pelas minhas navegadas na internet,
me deparei com um documentário americano que sem dúvida pode perfeitamente
ilustrar essa ideia de que uma criança pode sim, desenvolver uma
psicopatia em sua mais sublime infância. “Crianças são seres inocentes sem
preconceitos”, esse jargão foi por muito tempo utilizado por vários
profissionais pedagogos ou psicólogos de diversos ramos do saber até que se
tornou um lugar comum na cultura popular. Mas, a criança assim como o adulto é
produto de sua condição neuropsíquica somada ao meio em que vive e se
desenvolve.
O documentário em questão conta a trajetória de uma
bela garotinha de olhos azuis chamada Beth Thomas. Para uma pessoa que não
domina o inglês e assiste o documentário sem legendas, soaria como um vídeo
caseiro de uma doce criancinha americana dizendo coisas banais. O diferencial
está exatamente no vocabulário aguçado da menina e na série de perguntas feitas
pelo homem que a entrevista. O documentário foi feito com vídeos gravados pelo
terapeuta Ken Magid.
Magid questiona a pobre garotinha sobre uma faca que
havia sumido. “– uma grande e pontuda?” – diz a menina.
- o que você ia fazer com a faca, Beth? – pergunta
então o terapeuta sem demonstrar qualquer tipo de alteração de humor.
- "Matar o John – seu irmãozinho ainda um
bebê – mamãe e papai. Diz a garota também fria e detalhista. Quando o
documentário foi exibido na televisão americana em 1989, muitos profissionais
que trabalhavam com crianças vítimas de abusos criticaram a HBO – produtora do
documentário – por estar fazendo sensacionalismo com o assunto.
O documentário mostra ainda um resumo dos fatos envolvendo a
criança. Beth Thomas perdeu sua mãe quando era bebê. Foi deixada sob os
cuidados de uma instituição para adoção juntamente com seu irmão mais novo.
Ambos foram adotados por um casal que não podia ter filhos. As duas crianças
aparentemente saudáveis receberam todo carinho necessário para proporcionar um
relacionamento normal entre pais e filhos, mas o que o casal não esperava era
enfrentar situações impensáveis que chegaram ao extremo de estarem sob risco de
vida por conta do comportamento da filha adotiva.
E as masturbações ocorriam até mesmo em locais
públicos o que causava grandes transtornos aos pais.
Segundo a mãe adotiva, Beth tinha um comportamento
muito incomum para uma criança de 6 anos. Diariamente Beth era pega
manipulando sua genitália. E as masturbações ocorriam até mesmo em locais
públicos o que causava grandes transtornos aos pais. Beth molestava seu irmão
sexualmente, beliscando seu pênis e uma vez foi pega pela mãe, que segundo a
própria filha havia puxado o pênis do irmão e enfiado o dedo em seu anus. O pai
adotivo de Beth conta a respeito de um sonho ruim onde ela relatava que um
homem caia nela e a machucava com uma parte dele próprio. O terapeuta pede a
Beth que desenhe para ele o sonho que tinha com seu pari verdadeiro. Beth fez
desenhos aterradores onde seu pai a violentava até que ela sangrasse. Dois
meses depois da adoção descobriram que a mãe de Beth morrerá quando ela tinha 1
ano de idade e que o pai biológico havia abusado sexualmente de ambos os bebes.
Isso com certeza havia causado danos emocionais severos nas crianças.
Agora vivia feliz e respeitava
todos seus familiares
e também seus animais de
estimação que
outrora eram visto por ela
como brinquedos
cujo objetivo eram ser mortos
em suas mãozinhas de criança.
Procuraram
ajuda da terapeuta Connell Watkins, que diagnosticou a garota como tendo RAD –
sigla em inglês para Desordem de Apego Reativa. É um transtorno mental onde o
individuo é incapaz de formar juízo de valores. RAD, portanto é um termo
técnico utilizado para não rotular uma criança dcomo psicopata, no entanto,
nada mais é do que uma psicopatia infantil. A Situação era tão desesperadora
que a terapeuta tirou Beth da casa dos pais e a levou para sua própria casa
para tratá-la. Atkins tinha em seu currículo alguns casos de sucesso na
reversão do comportamento inadequado de crianças. Incluindo crianças de 9 anos
de idade que cometeram assassinato. O documentário mostra a recuperação de
Beth, que passou a se comportar como qualquer criança de sua idade. Começa a
frequentar a igreja de sua comunidade, e até mesmo a cantar no coral. Agora
vivia feliz e respeitava todos seus familiares e também seus animais de
estimação que outrora eram visto por ela como brinquedos cujo objetivo eram ser
mortos em suas mãozinhas de criança.
O documentário que foi ao ar pela
HBO em 1990 termina mostrando o progresso de
Beth. E parece que a terapia pela qual foi submetida realmente foi bem
sucedida, pois Beth Thomas acabou se tornando uma mulher emocionalmente
sociável e fazendo uma pesquisa rápida pela internet foi possível descobrir que
ela se formou em enfermagem e atua na área de saúde desde então. Beth foi
adotada uma segunda vez por uma terapeuta que atuava na clinica de Atkins. Beth
e sua mãe adotiva Nancy Thomas abriram uma clinica para cuidar de crianças que sofriam com
distúrbios iguais aos de Beth, que lançou o livro Dandelion on My Pillow,
Butcher Knife Beneath (Dente de leão no travesseiro, Faca de açougueiro
debaixo).
Um desfecho
trágico ainda ligado à algumas personagens dessa história viria a acontecer em
2000 quando uma garota de 10 anos foi morta durante um procedimento terapêutico
aplicado na clinica de Connell Atkins chamado “Rebirthing” – renascimento – que
consistia em enrolar uma criança em um cobertor para que ela pudesse reviver um
novo nascimento e o cobertor representava o útero materno. Apesar dos pedidos
desesperados da garoa pare que parecem com aquilo, pois não conseguia respirar,
os terapeutas continuaram o procedimento. Candace
Newmaker de 10 anos morreu no
dia seguinte no hospital. Connel Atkins foi condenada por homicídio assim como
as terapeutas que trabalhavam nesse procedimento e os pais adotivos da garota
Candice Newmaker que segundo a autópsia morreu sufocada. O
caso Newmaker gerou comoção
nacional e foi responsável pela criação da “Candace Law” – lei Candice – contra
as terapias com crianças supostamente com distúrbios de apego.
O caso Mary Bel
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Mary Bell - A homicida mais jovem da história |
Outro caso pode ajudar a ilustras melhor o
perfil psicológico de uma criança abusada sexualmente. Em 1968 dois garotos
foram mortos de forma brutal em New Castle na Inglaterra. Houve uma diferença
de dois meses entre a ocorrência de cada um dos homicídios, levando a crer que
se tratava do mesmo assassino. Na verdade, foi descoberto para espanto de
todos, que se tratava de uma assassina. Mary Bell uma garota de 11 anos que morava em um bairro pobre de
New Castle, próximo de onde os assassinatos ocorreram.
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Norma Bell - amiga e co-autora do assassinato de Brian Howe |
O comportamento
da garota Mary Bell já era conhecido. Antes dos assassinatos houveram vários casos de
crianças que relataram ter sido atacadas por Mary que tentara estrangulá-las.
Mary tinha personalidade forte e dominadora. No dia de seu aniversário de 11
anos um dia depois que havia assassinado o garoto Martin Brown, tentou
estrangular uma amiga de escola, que se não fosse a intervenção do pai da
garota atacada, que a tirou as bofetadas algo pior teria acontecido.
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Brian Howe de 3 anos assassinado por Mary Bell com ajuda de sua amiga Norma Bell |
Mary havia
desenvolvido um comportamento bem sádico e segundo consta, foi até a casa de
Martin Brown dias depois de tê-lo matado e pediu a sua mãe para vê-lo. A mãe de
Martin disse que o menino estava morto e Mary disse: “Eu seu que ele
está morto, só queria ver ele no caixão”.
Mary e sua
amiga Norma cometeram atos de vandalismo em uma creche deixando recados
anotados em folhas de cadernos que diziam:
“I murder so THAT I may come back”
"Eu mato para que eu possa voltar."
“fuck off we murder watch out Fanny and Faggot”
“Foda-se nós matamos cuidado fanny e Faggot”
“we did murder Martain brown Fuck of you Bastard”
“Nós realmente matamos Martin Brown foda-se seus bastardos”
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Uma das mensagens recolhidas pela policia |
Esses dizeres
revelam a personalidade conflitante de uma criança perturbada. Mary foi
condenada em 17 de dezembro de 1968 depois de dias de julgamento. Devido a
exclusividade do caso, ele teve comoção mundial e especificamente na Inglaterra
foi um divisor de águas na legislação do país. Nunca tiveram que condenar
alguém tão jovem por duplo infanticídio. Mary cumpriu 12 anos de sua sentença e
passou por várias terapias e avaliações psicológicas. Em 1977 Mary Bell fugiu do presídio e, segundo ela, perdeu sua virgindade. Foi
recapturada logo em seguida. Em 1980 ela foi liberada. Tinha então 23 anos e um
novo nome, pois tinha a proteção da lei para ficar no anonimato e manter sua
integridade. Os familiares das vitimas vem lutando desde então para que a
justiça revogue essa decisão. Tal lei batizada de “Ordem Mary Bell” por conta
da própria da proteção e anonimato a todas a crianças envolvidas em
procedimentos legais.
Mary Bell foi
entrevistada em 2007 pela jornalista Gitta Sereny que resultou no livro “Gritos no vazio”. Sabe-se que o dinheiro rendeu um bom dinheiro para Bell o que gera muita
controvérsia na sociedade britânica, principalmente entre os familiares das
vítimas.
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Bell logo após ser recapturada pela policia 1977 |
Esses dois casos ilustram algo que sempre
vem sendo razão de discussão entre psicólogos de todos os setores. Será a
psicopatia uma predisposição genética? Ou ela surge no contexto familiar e
social do individuo? Temos aqui dois casos de psicopatia na infância que até o
presente momento parece ter sido revertidas com sucesso na vida adulta dos
individuos que as portava. Tanto Beth Thomas quanto Mary Bell – segundo consta
– se tornaram adultos emocionalmente saudáveis depois da intervenção
terapêutica. A questão é, essas duas mulheres estão vivendo suas vidas tendo
que domar seus instintos assassinos todo santo dia, ou elas realmente
desenvolveram valores éticos e morais que as tornam seres sociáveis? Todos os
psicopatas se tratados na infância podem reverter sua psicopatia? Acho que
terminei os artigos com muito mais perguntas do que respostas, mas creio que
são as perguntas certas que nos levam a algum lugar.
Assista documentário sobre o caso Mary Bell: https://www.youtube.com/watch?v=moFhGzE_xRI
Assista o documentário sobre Beth Thomas: https://www.youtube.com/watch?v=g2-Re_Fl_L4
- AMAZON: Dandelion on My Pillow, Butcher Knife Beneath: The true story of an amazing family that lived with and loved kids who killed, Disponível em: http://www.amazon.com/Dandelion-Pillow-Butcher-Knife-Beneath/dp/0970352522, Acesso em: 2013
- FAMILY BY DESIGN: Nancy Thomas Parenting, Disponível em: http://www.attachment.org/, Acesso em: 2013
- THE MILLENIOUM PROJECT: Excerpts from video of the "birth" and death of Candace Newmaker, Disponível em:http://www.ratbags.com/rsoles/comment/candace.htm , Acesso em: 2013
- UNIVERSITY OF IOWA: Dr. Ken Magid Biography, Dispómívem em: http://www.iowalum.com/voyagers/scholarship_bio.cfm. Acesso em: 2013
- WIKIPEDIA:Candace Newmaker, Disponível em: https://en.wikipedia.org/wiki/Candace_Newmaker, Acesso em: 2013
- WIKIPEDIA: Gitta Sereny.Disponível em:https://pt.wikipedia.org/wiki/Gitta_Sereny. Acesso em: 2013
- WIKIPEDIA: Caso Família Pesseghini, Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Caso_fam%C3%ADlia_Pesseghini, Acesso em: 2013
- YOU TUBE: Child of Rage, Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=g2-Re_Fl_L4. Acesso em: 2013
- WIKWPEDIA: Mary Bell. Disponível em:https://pt.wikipedia.org/wiki/Mary_Bell. Acesso em: 2013
André Stanley é escritor e professor de História, Inglês e Espanhol, autor do livro "O Cadáver", editor dos blogs: (Blog do André Stanley, Stanley Personal Teacher). Colaborador do site especializado em Heavy Metal Whiplash. Foi um dos membros fundadores da banda de Heavy Metal mineira Seven Keys. Também é fotógrafo e artista digital.
Casos fodas e tensos. Cada caso é unico, acho complicado achar um padrão pra definir se esse instinto nasce com a pessoa...
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