domingo, 31 de janeiro de 2016

Édipo - Sêneca vs Sófocles

Édipo e Antígona, pintura a óleo de Antoni Brodowski (1828)

Ao analisarmos as obras Édipo Rei de Sófocles e Édipo de Sêneca, notamos que ambas são definidas como tragédias clássicas, e se assemelham por serem caracterizadas como uma investigação de eventos passados, como disse o pesquisador Giovani Roberto Klein, representam “uma recuperação cognitiva de um evento do passado que na sua objetividade se contrapõe à consciência subjetiva, de acordo com a técnica da ironia trágica” (KLEIN, 2005, p.11). A obra do poeta e filosofo latino Sêneca é mais nova e por isso é baseada no clássico grego Édipo rei de Sófocles que veio a público no século 5 a.C.
O enredo narrado, em grande parte, é o mesmo. Ambos tratam da história de Édipo que sob o estigma de um oráculo pondera sobre os sofrimentos a ele reservados. Ou seja, o pano de fundo das duas obras acaba sendo o destino. Questionamentos sobre a autonomia do homem sobre seu destino, e sobre o quanto estamos sob influencia das vontades dos deuses acabam surgindo no decorrer da leitura de ambas as peças. Para um melhor esclarecimento sobre o tema se faz necessário saber como à época dos autores se concebia a ideia de destino.



Sêneca era um celebre representante do estoicismo e, podemos notar que sua obra está repleta dos ideais dessa escola filosófica. O estoicismo, no entanto, surgiu na Grécia por volta de 300. a.C. como uma corrente de pensamento baseado nos preceitos do filosofo Zenão. A partir de então a concepção de destino para o grego do período Helenístico passa a ter um caráter determinista, onde o destino passa a ser visto como algo predeterminado, e ao individuo cabe aceitá-lo passivamente, pois não é possível alterá-lo – obvio que entre os próprios pensadores estoicos encontraremos divergências em relação a isso. Mas à época de Sófocles que provavelmente escreveu Édipo Rei em 427 a.C. Havia outra concepção de destino. Um destino onde o homem agia paralelamente aos desígnios divinos, como explica Giovane Klein.

No pensamento grego tradicional (do qual o Édipo rei pode ser considerado um produto), a presciência divina acerca do destino não exclui a liberdade humana. O destino não é atribuído incondicionalmente ao homem, mas se serve de causas intermediárias, e mesmo os mortais podem até certo ponto modificá-lo (KLEIN, 2005, p.118)

Já Sêneca imerso em seu estoicismo vai utilizar uma abordagem mais rígida do destino, onde os mortais estariam a mercê dos desígnios divinos. Em outras palavras estamos presos ao nosso destino. Como demonstra esse trecho:

Somos levados pelos fados, cedei aos fados.
Nossos inquietos cuidados não podem
mudar a trama do fuso invariável.
Tudo o que sofremos, raça mortal,
tudo o que fazemos vem do alto,
e guarda Láquesis os decretos da sua roca,
girada com dura mão.
Tudo segue por seu recortado caminho,
e o primeiro dia determinou o último:
nem a um deus é permitido mudar
aquilo que corre segundo suas próprias causas.
Segue para cada um a ordem, por prece alguma
aterável, dos acontecimentos:
a muitos o próprio medo abate,
muitos vão ao encontro do seu fado,
enquanto receiam os fados ( SÊNECA apud. KLEIN, 2005, 121).

            Assim Giovane Klein estabelece que “o mito de Édipo, com algumas adaptações, serve perfeitamente como ilustração da doutrina estoica sobre o destino (KLEIN, 2005, p.123). Ainda segundo mesmo autor, o Édipo de Sêneca se distancia do Édipo rei de Sófocles quando notamos que o primeiro não dispõe de uma autoconfiança poderosa como no segundo, que crê durante grande parte do poema, ainda poder ser inocente e busca a todo custo sanar sua duvida.
Parece que os dois autores divergem, portanto, na construção psicológica do protagonista do poema. Ainda embasado em Giovane Klein pode concluir que:

Se o Édipo sofocleano era o paradigma da incerteza a que a existência humana está submetida,o protagonista da tragédia de Sêneca é o protótipo do tirano perseguido, acossado pela angústia e pelo medo e oprimido por um sentimento de culpa do qual não consegue dar razão (KLEIN, 2005, p.11)

            Uma diferença formal também notada por Klein está na forma de descrição dos eventos e do ambiente. Enquanto na tragédia grega a descrição é mais curta e de certo ponto objetiva, em Sêneca ela se torna extensa e detalhada. Klein diz que isso pode ser um recurso técnico usado pelos poetas romanos para superar dificuldades técnicas. E essa forma diversa de descrição altera o efeito dramática das peças.

A tensão gerada por elas percorre todo o drama, desde seu início; não há, dessa forma, o crescendo dramático conduzido pelo desenrolar da investigação no Édipo rei, que culmina no momento da revelação da verdade. O impacto gerado por esse momento tem muito menos força no Édipo senequiano, devido principalmente ao horror que acompanha a peça desde os primeiros versos (KLEIN, 2005, 152).

            Portanto podemos sintetizar a questão dizendo que os dois autores contaram a mesma história mitológica, que já era parte de suas culturas, no entanto, sendo influenciados por posturas filosóficas pertinentes ao período em que cada um deles viveu. O que de certa forma alterou o impacto dramático que essa tragédia poderia causar no leitor.

Fonte:
Klein, Giovani Roberto. O Édipo de Sêneca : tradução e estudo crítico, Universidade Estadual de Campinas, 2005



André Stanley alcunha de André Luiz Ribeiro é professor e escritor; autor do livro “O Cadáver” (Editora Multifoco – 2013); É membro efetivo da Asso. Dos Historiadores e pesquisadores dos Sertões do Jacuhy desde 2004. Atua hoje como professor e pesquisador de História Cultural. Também leciona língua inglesa, idioma que domina desde a adolescência, Administra e escreve para os blogs: Blog do André Stanley (blogdoandrestanley.blogspot.com) – Sobre História, política, arte, religião, humor e assuntos diversos e Stanley Personal Teacher (stanleypersonalteacher.blogspot.com) onde da dicas de Inglês e posta exercícios para todos os níveis.

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