Édipo e Antígona, pintura a óleo de Antoni Brodowski (1828) |
Ao
analisarmos as obras Édipo Rei de Sófocles e Édipo de Sêneca, notamos que ambas
são definidas como tragédias clássicas, e se assemelham por serem
caracterizadas como uma investigação de eventos passados, como disse o
pesquisador Giovani Roberto Klein, representam “uma recuperação cognitiva de um
evento do passado que na sua objetividade se contrapõe à consciência subjetiva,
de acordo com a técnica da ironia trágica” (KLEIN, 2005, p.11). A obra do poeta
e filosofo latino Sêneca é mais nova e por isso é baseada no clássico grego Édipo rei de Sófocles que veio a público
no século 5 a.C.
O
enredo narrado, em grande parte, é o mesmo. Ambos tratam da história de Édipo
que sob o estigma de um oráculo pondera sobre os sofrimentos a ele reservados.
Ou seja, o pano de fundo das duas obras acaba sendo o destino. Questionamentos
sobre a autonomia do homem sobre seu destino, e sobre o quanto estamos sob
influencia das vontades dos deuses acabam surgindo no decorrer da leitura de
ambas as peças. Para um melhor esclarecimento sobre o tema se faz necessário
saber como à época dos autores se concebia a ideia de destino.
Sêneca era um celebre
representante do estoicismo e, podemos notar que sua obra está repleta dos
ideais dessa escola filosófica. O estoicismo, no entanto, surgiu na Grécia por
volta de 300. a.C. como uma corrente de pensamento baseado nos preceitos do
filosofo Zenão. A partir de então a concepção de destino para o grego do
período Helenístico passa a ter um caráter determinista, onde o destino passa a
ser visto como algo predeterminado, e ao individuo cabe aceitá-lo passivamente,
pois não é possível alterá-lo – obvio que entre os próprios pensadores estoicos encontraremos divergências em relação a isso. Mas à época de Sófocles que provavelmente
escreveu Édipo Rei em 427 a.C. Havia outra
concepção de destino. Um destino onde o homem agia paralelamente aos desígnios
divinos, como explica Giovane Klein.
No pensamento grego tradicional (do qual o
Édipo rei pode ser considerado um produto), a presciência divina acerca
do destino não exclui a liberdade humana. O destino não é atribuído
incondicionalmente ao homem, mas se serve de causas intermediárias, e mesmo os
mortais podem até certo ponto modificá-lo (KLEIN, 2005, p.118)
Já Sêneca imerso em seu estoicismo vai utilizar uma
abordagem mais rígida do destino, onde os mortais estariam a mercê dos
desígnios divinos. Em outras palavras estamos presos ao nosso destino. Como
demonstra esse trecho:
Somos levados pelos fados, cedei aos
fados.
Nossos inquietos cuidados não podem
mudar a trama do fuso invariável.
Tudo o que sofremos, raça mortal,
tudo o que fazemos vem do alto,
e guarda Láquesis os decretos da sua roca,
girada com dura mão.
Tudo segue por seu recortado caminho,
e o primeiro dia determinou o último:
nem a um deus é permitido mudar
aquilo que corre segundo suas próprias
causas.
Segue para cada um a ordem, por prece
alguma
aterável, dos acontecimentos:
a muitos o próprio medo abate,
muitos vão ao encontro do seu fado,
enquanto receiam os fados ( SÊNECA apud.
KLEIN, 2005, 121).
Assim Giovane Klein estabelece que “o
mito de Édipo, com algumas adaptações, serve perfeitamente como ilustração da
doutrina estoica sobre o destino (KLEIN, 2005, p.123). Ainda segundo mesmo
autor, o Édipo de Sêneca se distancia
do Édipo rei de Sófocles quando
notamos que o primeiro não dispõe de uma autoconfiança poderosa como no
segundo, que crê durante grande parte do poema, ainda poder ser inocente e
busca a todo custo sanar sua duvida.
Parece que os dois autores divergem, portanto, na
construção psicológica do protagonista do poema. Ainda embasado em Giovane
Klein pode concluir que:
Se o Édipo sofocleano era o paradigma da
incerteza a que a existência humana está submetida,o protagonista da tragédia
de Sêneca é o protótipo do tirano perseguido, acossado pela angústia e pelo
medo e oprimido por um sentimento de culpa do qual não consegue dar razão
(KLEIN, 2005, p.11)
Uma
diferença formal também notada por Klein está na forma de descrição dos eventos
e do ambiente. Enquanto na tragédia grega a descrição é
mais curta e de certo ponto objetiva, em Sêneca ela se torna extensa e
detalhada. Klein diz que isso pode ser um recurso técnico usado pelos poetas
romanos para superar dificuldades técnicas. E essa forma diversa de descrição
altera o efeito dramática das peças.
A tensão gerada por elas percorre todo o
drama, desde seu início; não há, dessa forma, o crescendo dramático
conduzido pelo desenrolar da investigação no Édipo rei, que culmina no
momento da revelação da verdade. O impacto gerado por esse momento tem muito
menos força no Édipo senequiano, devido principalmente ao horror que
acompanha a peça desde os primeiros versos (KLEIN, 2005, 152).
Portanto podemos sintetizar a
questão dizendo que os dois autores contaram a mesma história mitológica, que
já era parte de suas culturas, no entanto, sendo influenciados por posturas
filosóficas pertinentes ao período em que cada um deles viveu. O que de certa
forma alterou o impacto dramático que essa tragédia poderia causar no leitor.
Fonte:
Klein, Giovani Roberto. O Édipo de Sêneca : tradução e estudo crítico, Universidade Estadual de Campinas, 2005
André Stanley alcunha de André Luiz Ribeiro é professor e escritor; autor do livro “O Cadáver” (Editora Multifoco – 2013); É membro efetivo da Asso. Dos Historiadores e pesquisadores dos Sertões do Jacuhy desde 2004. Atua hoje como professor e pesquisador de História Cultural. Também leciona língua inglesa, idioma que domina desde a adolescência, Administra e escreve para os blogs: Blog do André Stanley (blogdoandrestanley.blogspot.com) – Sobre História, política, arte, religião, humor e assuntos diversos e Stanley Personal Teacher (stanleypersonalteacher.blogspot.com) onde da dicas de Inglês e posta exercícios para todos os níveis.
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