quinta-feira, 1 de abril de 2021

Orlando - A androginia e a construção do feminino e do masculino no romance de Woolf


Orlando, edição italiana


As questões de Gênero – Um olhar sociológico



    No campo da sociologia, há tempos, há um esforço para entender a masculinidade e a feminilidade como construtos sociais em uma relação geralmente binária de poder, onde o homem historicamente ocupa uma posição dominante em relação à mulher, o que a socióloga australiana, Raewyn Connell, veio a chamar de “Masculinidade Hegemônica” em uma referência direta a Gramsci, que foi quem elaborou a teoria da “Hegemonia cultural” onde a dominação de uma ideologia de classe se sobrepõe a outra consumando seu domínio como natural e legítimo. No caso da “Masculinidade Hegemônica” proposta por Connell, há uma “prática de gênero que encarna a resposta correntemente aceita ao problema da legitimidade do patriarcado, a que garante (ou que se toma para garantir) a posição dominante dos homens e a subordinação das mulheres.” (CONNELL apud. CARVALHO, 2009, p.?)





Sexo Vs. Gênero


    Para Aline Sanfelici “enquanto sexo refere-se a genitália (que caracteriza o sujeito como homem ou mulher), o gênero não necessariamente corresponde ao sexo, sendo na verdade uma construção e um processo.” (SANFELICI,2009) Dessa forma, quando falamos em questões de gênero estamos nos referindo a uma construção social em processo que envolve fatores externos às definições biológicas de sexo. É nesse sentido que Simone de Beauvoir diz que



"Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produtor intermediário entre o macho castrado que qualifica de feminino." (BEAUVOIR)



    Na mesma linha, no entanto falando sobre “masculinidades”, Raewyn Connel, irá expor o papel da escola na consolidação das ideias de dominação exercida pelo homem. Segundo ela.

    A construção de masculinidades nas escolas [...] está longe da simples aprendizagem de normas como sugerido pela socialização de papéis sexuais’. É um processo com múltiplos caminhos, influenciados pela classe e a etnicidade, produzindo diversos resultados. O processo envolve encontros complexos entre crianças em desenvolvimento, seja em grupos ou individualmente, e uma instituição poderosa, mas dividida e em transformação. (CONNEL apud. CARVALHO, 2009)



    Em suma, as questões de gênero são construtos sociais complexos que nos desafiam a ir além da simples dicotomia entre feminino e masculino. Afinal essa dicotomia não nos deixa muito mais opções além de reproduzir a dominação masculina e a submissão feminina como algo natural, sendo que essa visão é uma criação social aprendida e difundida por meio das instituições e das relações de poder. Em outras palavras, “o gênero é o modo como as culturas interpretam e organizam a diferença sexual entre homens e mulheres.” (YANNOULAS, p. 284, 2011)



Orlando: A androginia como quebra da visão binária de gênero


Divulgação de adaptação teatral de Orlando

    Sendo o gênero uma construção cultural de uma determinada sociedade, seria possível que elementos masculinos e femininos, mesmo contraditórios, se harmonizassem na subjetividade de um mesmo indivíduo, independentemente de seu sexo biológico? Tendo essa questão em mente estamos preparados para analisar as questões de gênero e a mescla de elementos femininos e masculinos no indivíduo, usando como objeto de análise a obra “Orlando, uma biografia” da britânica Virginia Woolf. O livro foi escrito em 1928, durante o período do modernismo inglês. Nesta obra, Woolf retoma o conceito de androginia que segundo Thomas Bonnici “foi usado por Woolf parar descrever o equilíbrio completo dos sentimentos masculinos e femininos. (BONNICI apud. CANASSA, p. 704, 2007)

    Platão em sua obra “O Banquete” é talvez o primeiro a trazer à tona – pelo menos no mundo ocidental – um tipo de hibridismo entre os gêneros. Segundo seu relato, “andrógino era então um gênero distinto, tanto na forma como no nome comum aos dois, ao masculino e ao feminino, enquanto agora nada mais é que um nome posto em desonra.” (PLATÃO) Desta obra se emprestou posteriormente o termo “andrógino” que se refere a uma fusão entre elementos masculinos e femininos em um só indivíduo.

    Orlando é apresentado por seu biógrafo e narrador da história, como um jovem que vivia na corte inglesa do final do período elizabetano e nota-se que já na primeira frase do livro a questão do seu gênero é arbitrariamente destacada pelo narrador.



“Ele – pois não podia haver qualquer dúvida a respeito do seu sexo, embora a moda da época contribuísse para disfarçá-lo – estava golpeando a cabeça de um mouro, que pendia das vigas. (WOOLF, p. 9, 2013)



    Notamos que Orlando é descrito como inequivocamente um homem., Isso é particularmente importante, pois introduz uma característica do personagem que aparentemente é imutável. Afinal, homens são homens e mulheres são mulheres. No entanto, este vai se mostrar como o primeiro indício de quebra de paradigmas deste romance no que diz respeito a invariabilidade dos gêneros. No decorrer do romance vamos notar que Orlando funciona como uma síntese das relações de gênero. E a principal característica do gênero, “está na mutabilidade, isto é, na possibilidade de mudança na relação entre homens e mulheres através do tempo. Não se trata de um atributo individual, mas que se adquire a partir da interação com os outros [...]” (YANNOULAS, p. 284, 2011)

    Devemos notar também que há um atributo andrógino característico de uma época. Segundo o narrador, as roupas de um jovem de então (século XVI) não eram marcadores absolutos de gênero , o que em outras épocas seriam mais bem distinguíveis. E a simbologia contida na ação do personagem que golpeava a cabeça de um mouro que estava pendurada nas vigas de um sótão de sua imensa casa diz respeito à forma dominadora como a Inglaterra elizabetana tratava esse grupo étnico, assim como evidencia o engajamento do garoto em atividades masculinas, que ansiava por se tornar um verdadeiro guerreiro como veremos a seguir.


Os pais de Orlando tinham cavalgado em campos de asfódelos, e campos pedregosos, e campos irrigados por estranhos rios, e tinham arrancado muitas cabeças de muitas cores de muitos ombros, e as trouxeram de volta para pendurar nas vigas. Assim também faria Orlando, ele jurou. Mas como tinha só dezesseis anos, e era muito jovem para cavalgar com eles pela África ou pela França [...] (WOOLF, p. 9, 2013)



    Esse elemento guerreiro tem grande relevância na construção da masculinidade de Orlando. Ele reproduzia o que lhe foi ensinado sobre os papéis sociais dos homens em sua sociedade, ou seja, ele aprendia a ser um homem. Afinal de contas, como diz Raewayn Connel “a masculinidade não cai dos céus; ela é construída por práticas masculinizantes, que estão sujeitas a provocar resistência [...] que são sempre incertas quanto a seu resultado. É por isso, afinal, que se tem que pôr tanto esforço nelas.” (CONNEL apud. RABELO, p. 173, 2010)

    Orlando se relacionou com algumas mulheres e era um tipo de cortesão da rainha Elizabeth I. É interessante analisar, por exemplo, seu encontro com Sasha, aquela que viria a ser sua maior decepção amorosa:.


“Quando viu, saindo do pavilhão da embaixada moscovita, uma figura que, fosse homem ou mulher – pois a túnica solta e as calças compridas à moda russa serviam para disfarçar o sexo – encheu-o da maior curiosidade. pessoa, qualquer que fosse o nome ou o sexo, era de estatura mediana, de formas muito esbeltas, e estava vestida dos pés à cabeça em veludo cor de ostra, enfeitado com uma estranha pele esverdeada.” (WOOLF, p. 19, 2013)



    Mais uma vez a questão da vestimenta que disfarçava o sexo. Nesste caso vemos que a figura em questão chamou a atenção de Orlando pela sua características físicas que até então ele não soube identificar se era homem ou mulher. Mas esse evento a princípio parece não preocupar Orlando. Ele simplesmente sentiu interesse por essa figura, como iremos notar a seguir. “Esses detalhes eram obscurecidos pela extraordinária sedução que emanava de toda a pessoa.” (WOOLF, p.19, 2013). Orlando observava atentamente:


Quando o rapaz, porque, ai de mim!, só podia ser um rapaz – nenhuma mulher poderia patinar com tamanha velocidade e vigor – passou por ele quase na ponta dos pés, Orlando estava pronto a arrancar os cabelos de vergonha, pois a pessoa era do seu próprio sexo e, assim, quaisquer abraços estavam fora de cogitação. (WOOLF, p. 19, 2013)



    Notamos que Orlando, baseado em estereótipos, deduz que a pessoa é um homem. Isso é mais uma evidência das construções do papel e sexual naquele período. Mulheres não patinam tão rápido e vigorosamente, logo é um homem. Quando aparenta ter certeza de que se trata de uma pessoa do seu próprio sexo, ele se sente envergonhado devido a sua própria formação dentro do universo masculino. É possível notar uma postura andrógina do protagonista quando ele lamenta não poder nem mesmo abraçar quem despertou seu interesse. Parece que Orlando não se importa tanto assim com as questões relativas ao sexo da pessoa , ao mesmo tempo que está ciente de seus limites como homem.

    A androginia de Orlando é demonstrada durante todo o romance. Notamos até aqui que ele possui todos os atributos do universo masculino de sua época, ao mesmo tempo em que é uma pessoa sensível com os animais, gosta de poesia e procura estar só. Atributos que não são tão recorrentes em um homem de índole guerreira.

    No desfecho da cena que mostramos há pouco descobrimos que o tal rapaz que patinava rápido “era uma mulher. Orlando fitou-a; estremeceu; sentiu calor; sentiu frio; desejou lançar-se no ar do verão; esmagar bolotas de carvalho embaixo dos pés; atirar seu braço como as faias e os carvalhos.” (WOOLF, p. 19, 2013) Enfim, Orlando se apaixonou por essa princesa russa que em breve o abandonaria. No desenrolar da história ele é enviado a Constantinopla como embaixador e se casa com uma dançarina de origem cigana chamada Rosina Pepita.

    Orlando viveu como um homem grande parte de sua vida e passou por todo aprendizado necessárioa para se transformar em um homem maduro e viveu plenamente como um homem de seu tempo até que, um dia, após um período longo dormindo, ele acorda e se vê mulher.


Orlando havia se transformado em uma mulher – não se pode negar. Mas, em todos os outros aspectos, permanecia exatamente como tinha sido. A mudança de sexo, embora alterasse seu futuro, nada fez para alterar sua identidade. Seu rosto permanecia, como provam os retratos, praticamente o mesmo. A memória dele – daqui em diante, porém, a bem da convenção diremos “dela” em vez de “dele”, e “ela” em vez de “ele” – e a memória dela, então, podia voltar a todos os eventos da sua vida passada sem encontrar qualquer obstáculo. (WOOLF, p.62, 2013)



    Notamos que Orlando se torna mulher, mas não se torna outra pessoa:, é exatamente o mesmo Orlando que vinha sendo biografado desde o início da história com o único “inconveniente” de seu biógrafo ter que mudar todos os pronomes marcadores de gênero. Desse momento em diante, “ele” será “ela”, no entanto suas memórias continuam as mesmas. Orlando não demonstra nenhuma surpresa com o fato de ter se tornado mulher o que ocorreu após a transformação denota isso:



Orlando agora havia se banhado, e vestira aquelas calças compridas e casacos turcos que podiam ser usados por ambos os sexos, indiferentemente; e foi forçada a refletir sobre a sua situação. Que era precária e embaraçosa ao extremo, deve ser o primeiro pensamento de todo leitor que tenha seguido sua história com simpatia. Jovem, nobre, bela, havia acordado para se encontrar em uma situação que não poderia ser mais delicada, para uma jovem dama da sua posição. (WOOLF, p. 62, 2013)



    Nesse momento o narrador deduz que o leitor possa estar chocado com tamanha transformação e aqui ele usa os adjetivos “situação precária e embaraçosa ao extremo” o que podemos supor que o narrador esteja familiarizado com os preconceitos e as concepções de gênero comuns de seu tempo. Segundo Karen Kaivola, “Orlando ao mesmo tempo, responde e se esquiva dos imperativos de gênero e aos códigos sexuais que moldam a cultura ocidental desde a Renascença até os primeiros anos do século XX”. (KAIVOLA, p.235-,236, 1999)

    Orlando que já havia passado pelo aprendizado de ser homem, subitamente precisa aprender a ser mulher.



“Agora, terei que pagar por esses desejos com minha própria pessoa”, refletia; “pois as mulheres não são (a julgar por minha própria e breve experiência do sexo) obedientes, castas, perfumadas e primorosamente vestidas por natureza. Só podem conquistar essas graças – sem as quais não podem desfrutar nenhuma das delícias da vida [...] (WOOLF, p.69, 2013)



Após a transformação, Orlando precisa rever suas ações e suas conceitos. Neste sentido, ter sido homem a deixava desconfortável, pois quando era um jovem rapaz pensava que as mulheres deveriam ser “obedientes, castas e perfumadas”. Em outro episódio Orlando quase se torna a causa de um acidente fatal pela simples displicência com seu vestido.



[...]sacudiu o pé com impaciência, mostrando uma ou duas polegadas da perna. Um marinheiro trepado no mastro, que por acaso olhou para baixo nesse momento, balançou de modo tão violento que perdeu o equilíbrio, e só se salvou por um triz. “Se a visão dos meus tornozelos significa a morte para um sujeito honesto, que sem dúvida tem uma esposa e filhos para sustentar, devo, por humanidade, mantê-los cobertos”, pensou Orlando (WOOLF, p. 69, 2013)



    Neste momento Orlando está voltando à Inglaterra, agora como mulher e notamos que suas vestimentas, diferentes das roupas de caráter indefinido que usava enquanto estava vivendo com um grupo de ciganos., dDessta vez, Orlando usava roupas de caráter estritamente femininas. Isso tem um significado de grande importância já que as roupas são os marcadores de gênero mais prontamente visíveis no indivíduo. “Embora pareçam apenas frivolidades, as roupas, dizem, tem funções mais importantes do que apenas nos manter aquecidos. Mudam nossa visão do mundo, e a visão que o mundo tem de nós.” (WOOLF. p.82, 2013)


Considerações Finais

    Orlando é um personagem que vive por três séculos acompanhando as mudanças históricas de postura em relação a compreensão do que é ser homem e mulher. Apesar de andrógino, já que possui um corpo feminino e uma história construída como homem, sua sexualidade não é estática. Por vários momentos vemos oscilações na prática de Orlando como ser social: às vezes se aproxima de uma postura masculina e às vezes se acomoda em sua vivência feminina. Para Karen Kaivola,



    Se a identidade de Orlando é andrógina, essa androginia é móvel, não é estática: apresentando não uma suave síntese de oposições, mas sim uma “mescla” mais hermafrodita mais caótica, o gênero de Orlando e seus desejos mudam constantemente. (KAIVOLA, p. 235, 1999)



    Woolf, de alguma forma, implodiu as barreiras entre o masculino e o feminino ao mostrar uma personagem que ao se transformar em mulher mantém sua memória de um período onde se beneficiava da condição de homem em uma sociedade patriarcal. Como diz Bonnici (BONNICI, apud. CANASSA, 2007), Woolf usa a androginia de Orlando “para descrever o equilíbrio completo dos sentimentos masculinos e femininos.” (BONNICI, apud. CANASSA, 2007)



Referências Bibliográficas

·    CANASSA, Lucélia. SANTOS, Adilson. Desconstrução do gênero em Orlando, de Virgiínia Woolf. 2014. (Apresentação de Trabalho/Comunicação).

·         CARVALHO, Marília Pinto de. Raewyn Connell. A Construção de novas identidades de gênero. Revista Educação. Pedagogia Contemporânea 1. Editora Segmento. pp.76-89 set. 2009

·         JUNQUEIRA. Rogério Diniz. A invenção da "ideologia de gênero": a emergência de um cenário político-discursivo e a elaboração de uma retórica reacionária antigênero. Psicologia Política. vol. 18. nº 43. pp. 449-502 set. – dez. 2018

·         KAIVOLA, Karen. Revisiting Woolf's Representations of Androgyny: Gender, Race, Sexuality, and Nation. Tulsa Studies in Women's Literature, Autumn, 1999, Vol. 18, No. 2 (Autumn, 1999), pp. 235-261. 1999

·         MACHADO, Paula Sandrine. O sexo dos anjos: um olhar sobre a anatomia e a produção do sexo (como se fosse) natural. cCadernos pagu (24), janeiro-junho de 2005, pp.249-281.

·         RABELO, Amanda Oliveira. CONTRIBUIÇÕES DOS ESTUDOS DE GÉNERO ÀS INVESTIGAÇÕES QUE ENFOCAM A MASCULINIDADE. Nome da revista. n.º 21, 2010, pp. 161-176

·         SANFELICI, A. M. . Categorias culturais de identidade em Orlando: Uma biografia, de Virginia Woolf. Estação Literária, v. 4, p. 94-100, 2009.

·         YANNOULAS, Silvia. FEMINIZAÇÃO OU FEMINILIZAÇÃO? APONTAMENTOS EM TORNO DE UMA CATEGORIA. Temporalis, Brasilia (DF), ano 11, n.22, p.271-292, jul./dez. 2011.

·         WOOLF, Virginia. Orlando: Uma biografia. Editora Landmark. São Paulo, 2013




    André Stanley é escritor e professor de História, Inglês e Espanhol, autor do livro "O Cadáver", editor dos blogs: (Blog do André Stanley, Stanley Personal Teacher). Colaborador do site especializado em Heavy Metal Whiplash. Foi um dos membros fundadores da banda de Heavy Metal mineira Seven Keys. Também é fotógrafo e artista digital.

 



quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

Lolita - Como criar uma capa para uma obra tão controversa?





Este texto foi inspirado no artigo de Isabel Zapata, "Juzgar Lolita por su portada" publicado no site "Letras Libres" em 2018.

Será que podemos julgar um livro clássico como Lolita pela capa?

Neste artigo vamos averiguar algumas capas produzidas para "Lolita", o polêmico livro de Vladimir Nabokov e analisaremos a relação da mensagem visual com o romance.

Quando visitamos uma livraria, física ou online, geralmente já temos em mente o tipo de livro que estamos procurando. Um best-seller que todo mundo está lendo, um livro técnico que o professor da universidade recomendou ou um clássico que sempre queremos ler e dificilmente encontramos tempo para isso, mas é acolhedor vê-lo na prateleira junto aos outros. No entanto, há situações em que a capa nos chama para ler a resenha da contracapa e caso nos interessamos pelo conteúdo acabamos comprando.

1955 FR France – Olympia Press 
(The Traveller's Companion, Nr. 66) 
Paris
A capa geralmente não é a protagonista de nossa escolha, mas é o elemento que primeiro nos atiça. Muitos não notam a importância da capa para uma obra clássica que atravessou décadas sendo discutida e questionada pela crítica literária e pela opinião pública de cada período. 

No caso de Lolita, o romance mais aclamado de Vladimir Nabokov, este elemento ganhou uma importância retumbante, já que a história toca em um tema que nunca deixou de ser polêmico, por isso gera desconforto desde seu lançamento em 1955.

As tentativas de traduzir em elementos gráficos a complexidade deste romance foram cerceadas pelo próprio autor que não admitiu que sua publicação original - pela editora especializada em publicações eróticas, “Olympia Press” de Paris - trouxesse na capa qualquer imagem, nem mesmo uma representação pictórica de Lolita; talvez temendo por sua reputação. O que fez com que o livro saísse apenas com os dizeres “LOLITA” e o nome do autor em um fundo padrão verde neutro sem chamarizes. 

No entanto, o elemento sexual do livro foi motivo de escândalo e isso era forte demais para não ser explorado por capistas de diversas editoras mundo afora nos anos posteriores, chegando à beira da pornografia explícita na edição de uma editora finlandesa dos anos 90s. No entanto, essas imagens pareciam estar mais em sintonia com o mercado de itens eróticos do que com o conteúdo literário. 


1964? TUR Altin Kitaplar Yayinevi, 
Istanbul
Na edição turca de 1964 podemos ver uma mulher nua em uma pose clássica.  Uma imagem genérica, talvez saída de um estudo do corpo feminino, feito por algum pintor iniciante. Apesar de charmosa, esta capa n
ão corresponde ao estereótipo criado pelo romance, de uma pré-adolescente precocemente sexualizada e abusada pelo seu padrasto quarentão.









1959 TUR Turkey – Aydin Yayinevi, 
Istanbul (unauthorized)
Uma outra publicação turca anterior (1959) mostra um casal se abraçando ternamente. Apesar de o artista ter tentado dar um aspecto juvenil à mulher, nada impediria a quem visse esse livro na prateleira, de pensar que se tratava de um romance trivial, daqueles de bancas de jornal. O que, volto a dizer, não corresponde ao aspecto abusivo contido no livro.

Ou seja, Lolita, para alguém que olhava para essas capas, parecia uma mulher crescida, plenamente responsável pelos seus atos. É interessante imaginar a perplexidade do leitor médio da época do "Amrerican way of life" ao descobrir que a personagem que dá nome ao livro é uma menina de 12 anos que tem um relacionamento amoroso com seu padrasto, um pedófilo confesso.




1962 US U.S.A. - Movie theater 
poster for für 
Stanley Kubrick's film
A imagem mais icônica e que se tornou lugar comum nas representações de Lolita, foi propagada pelo filme de Stanley Kubrick de 1962 que teve a audácia de levar o romance para as telas do cinema, com Sue Lyon no papel de Lolita.

Nesta representação gráfica, Lolita é representada de óculos escuros em formato de coração chupando um pirulito. Uma cena que não pode ser encontrada em nenhum momento do filme, no entanto, ajudou a consolidar a imagem da adolescente precocemente sexualizada - quase uma predadora sexual - que iria ser parte do imaginário popular desde então.






1970s NL Netherlands – Title 'Lolita:
Door begeerte gedreven'
[Lolita: Driven by desire] –
Omega Boek, Amsterdam–
Translation, M. Coutinho –
 Cover Erik Handgraaf –
ISBN 90-6057-418-4

Uma edição publicada na Holanda em 1970 já deixava explícito o caráter sexual do romance, algo que sempre fora recorrente, mas que será mais abundante nas décadas de 1970 e 1980, quando os designers de capas utilizavam fotos de modelos reais para ilustrar as capas dos livros. Isso se tornou tendência no meio erótico. 











1974 TUR Turkey –Altin Kitaplar
 Yayinevi,
Istanbul (unauthorized) –
Translation, Gönül Suveren

Esta outra edição turca de 1974 mostra uma garota nua de costas mordendo uma maçã. Neste caso a ousadia do designer foi muito além, pois a modelo apresenta traços explicitamente juvenis. Hoje em dia creio que em qualquer país ocidental esta imagem não passaria pelo crivo das grandes editoras pois seria execrada pela opinião pública. Mas, nos anos 70s, surpreendentemente parecia haver certa tolerância a esse tipo de representação na cultura pop, pelo menos em alguns países.







Virgin Killer (1976) Scorpions
Capa censurada

Mais ou menos nesta mesma época a banda de Hard Rock alemã Scorpions, lançava seu álbum "Virgin Killer" que mostrava uma adolescente nua na capa. Eles foram obrigados a lançar capas alternativas para que que o álbum fosse vendido fora da Alemanha. O que demonstra que a censura de uma imagem está ligada não só ao período histórico em que ela circula, mas também ao território geográfico.





1980 IT Italy – Mondadori
(Gli Oscar), Milano –
Translation, Bruno Oddera –
 Cover painting Le lever by
Balthus (1975-78) – no ISBN

Nesta edição italiana de 1980, temos uma pintura que mostra elementos que poderiam ilustrar a capa de um livro infantil de fantasia, todavia ao ler o livro o leitor irá perceber que o que vemos em primeiro plano não é um cupido asexuado, mas sim uma menina nua sensualizada. Apesar de chocante, esta imagem certamente traduz a atmosfera complexa desta história de uma adolescente que é iludida por um homem adulto. 








1992 FIN (1) Finland – Gummerus, 
Jyväskylä, vol.1 – 
Translation, 
Eila Pennanen and Juhani Jaskari –
 ISBN 951-20-4102-2

1992 FIN (02) Finland – Gummerus, 
Jyväskylä, vol.2 – 
Translation,
 Eila Pennanen and Juhani Jaskari – 
ISBN 951-20-4103-0

Em 1992 uma editora finlandesa lança o romance em dois volumes exaltando a nudez de uma modelo adulta, o que não o diferenciava em nada das capas de revistas baratas de pornografia que eram facilmente encontradas nas bancas de jornais desta época.




















2004 RU Russia – 'Lolita' / 'Drugie berega'
[Speak, Memory] – EKSMO-Press
(Krasnaya kniga russkoi prozy),
Moskau – ISBN 5-699-07566-6

Já nos anos 2000, sob a influência do "politicamente correto" as  representações gráficas nas capas de Lolita, ficaram menos explícitas, mostrando muitas das vezes, uma foto do autor ou elementos gráficos implicitamente sugestivos já que a história já era conhecida o bastante para que uma mensagem subliminar fosse o suficiente.


2002 TUR Turkey – İletişim Yayınları,

Istanbul – Translation, Fatih Özgüven –
ISBN 978-9-7547-0101-2












Recentemente, a editora espanhola “Anagrama” recrutou a artista plástica coreana Henn Kim para idealizar a capa de uma nova edição de Lolita. A capa de Henn Kim é minimalista e mostra uma Lolita sendo trespassada por uma chave metálica daquelas de dar corda em relógio ou algum brinquedo a corda antigo. A veia feminista da artista está fortemente representada nesta figura, afinal pela primeira vez vemos uma menina em uma posição de sofrimento deixando explícito o abuso sofrido nas mãos de seu algoz. 

A “evolução” das capas de Lolita mostra que o elemento gráfico pode traduzir uma história clássica para os debates de seu tempo. A história é a mesma, mas a forma como a enxergamos muda no decorrer da história. A capa de Henn Kim não poderia ser mais apropriada para uma Lolita vista pelos olhos atuais. 

Se um leitor contemporâneo que nunca teve a chance de ler o romance lê-lo a partir da visão desta capa, poderá ter uma percepção diversa daqueles que o leram nas décadas anteriores. Afinal as capas com uma garota feliz chupando um pirulito pressupõe uma história de amor entre Humbert e Dolores (Lolita). Uma história de amor nos induz a pensar que ambos os personagens estão em pé de igualdade em seu afeto um pelo outro. Ou seja, vemos a história sob a ótica do narrador que é o próprio Humbert, e é ele que enxerga Lolita como uma "Femme Fatale".  Será que Lolita em seus 12 anos de vida nutre o mesmo sentimento por seu padrastro?

O que a capa de Kim propõe é olhar a história contada por um adulto pedófilo sob o ponto de vista de uma criança que serviu de brinquedo em suas mãos. 

Com isso não quero dizer que esta é a melhor capa na escala evolutiva que mostrei aqui, apenas quero pontuar que as capas de um livro não são meros protetores contra a poeira. Há uma razão para uma editora escolher um determinado designer de capas. E há portanto, um motivo para um capista usar uma configuração de cor, uma textura ou uma imagem ao invés de outra e a capa de Henn Kim ilustra muito bem esse aspecto.

Se podemos tirar alguma lição desta viagem por diversas capas de Lolita, é o fato de que o livro é um elemento vivo, que passa por transformações no decorrer da história e a capa é uma maneira de demonstrar os vários tipos de leituras possíveis de uma mesma história. 



Publicação espanhola - 2018 tradução: Francesc RocaI - SBN978-84-339-6017-7




Para saber mais:

  • As capas utilizada para ilustrar esse artigo foram retiradas deste site que tem uma compilação com 210 capas de Lolita de 40 diferentes países. 
  • Leia a resenha que escrevi sobre Lolita neste blog aqui.
  • Leia o artigo de Isabela Zapata, que inspirou este texto aqui


Fontes: 

Covering Lolita - 210 book and media covers from 40 countries and 58 years: http://www.dezimmer.net/Covering%20Lolita/LoCov.html

Arquivo: https://archive.vn/o1Chg

Letras Libres - Juzgar Lolita por su portada: https://www.letraslibres.com/mexico/cultura/juzgar-lolita-por-su-portada

Arquivo: https://archive.vn/Yt6EQ

Lolita Repaginada - La Espanhoteca: https://laespanhoteca.wordpress.com/2018/03/25/uma-nova-roupa-para-lolita/



    André Stanley é escritor e professor de História, Inglês e Espanhol, autor do livro "O Cadáver", editor dos blogs: (Blog do André Stanley, Stanley Personal Teacher). Colaborador do site especializado em Heavy Metal Whiplash. Foi um dos membros fundadores da banda de Heavy Metal mineira Seven Keys. Também é fotógrafo e artista digital.




sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

Ex-Vegetariano

 


Confesso a vocês, que nessa onda de naturalismo, vegetarianismo e coisas afins, passei a me preocupar mais com o que comia. Quando garoto, tinha uma aversão mórbida a qualquer tipo de verduras. Dos legumes, me eram sociáveis apenas a batata e a abobora – logicamente em sua versão doce de abobora. Ou seja, tinha uma alimentação fundamentada em comidas de gênero animal, carne branca, vermelha ou sem cor, ovos fritos ou cozidos. Com o tempo senti a necessidade de experimentar novos gêneros alimentícios, pois minha mãe passou a jogar sujo comigo. Preparava jiló, salada de alface, de couve, de agrião, e a carne só nos finais de semana.

 

         Enfim, comecei a ingerir mais coisas verdes. Mas esse meu novo conceito alimentício ao invés de se amenizar com o tempo, foi se extremando. Virei vegetariano. Mesmo que eu tenha sido influenciado por essas novas ondas de veganismo, que estão em todo lugar – até mesmo em panfletos evangélicos – eu encontrei um motivo íntimo e nobre para me manter comendo apenas mato e raízes. Eu era um simpatizante da causa animal. Morria de pena daqueles gatinhos abandonados na rua, miando desesperadamente esperando a morte chegar. Aqueles cachorrinhos perdidos que pareciam cavaletes ambulantes revirando latas de lixo. Por que também não sentir pena das vaquinhas e dos porquinhos, e até mesmo das galinhazinhas que morriam aos milhares para nos alimentar?

 

         Sempre quando me encontrava tentado a saborear um suculento bife acebolado, os imagens de animais sendo executados mecanicamente em um tipo de linha de produção invadiam minha cabeça. Mas eis que um dia eu tive uma recaída, e aceitei ir a um churrasco na casa de um amigo, e o vinagrete estava um tanto amargo, me empanturrei de carne como nunca antes. No dia seguinte abandonei minha causa em favor dos animais. Ainda tenho pena deles, mas meu instinto de sobrevivência falou mais alto. Comecei a assistir aqueles documentários sobre vida selvagem, onde vemos leoas famintas caçando pobres animais indefesos, como zebras, antílopes, búfalos e até os enormes elefantes. Tornei-me um grande defensor do bife acebolado graças a estes documentários.

        

Uma amiga minha, remanescente dos tempos de vegetarianismo, disse estar com pena de mim, por ter voltado a me alimentar de carne. Numa tentativa de trazer de volta minha culpa em relação aos pobres bichinhos, ela me disse: “Eu reforcei minha crença em nossa causa, agora além de não comer carne, também não uso nada que seja feito de couro de animal, e meus bichinhos de estimação – ela tem uma coleção de gatos, cães e uma Cacatua – são tratados como se fossem meus filhos.” O interessante é que quando estava quase voltando a me sentir culpado pela minha volta aos antigos hábitos carnívoros, eu vi um saco de ração de gatos em cima do armário da cozinha dessa minha miga, e perguntei: “Aquela ração, que você dá aos seus bichanos, é de alface, ou couve-flor?”

 

         Fatos assim ajudaram-me a amenizar a culpa. Com os documentários de vida selvagens, aprendi muito sobre a cadeia alimentar, aquelas coisas que aprendemos no colégio: “O mais forte come o mais fraco.” Como nós humanos somos mais fortes e desenvolvidos, estamos naturalmente no topo dessa cadeia. Mas o interessante disso tudo é notar que o leão mata para se alimentar, para se manter vivo, e constantemente vemos seres-humanos matar por simples capricho. É! Eu sei, parece que estou voltando a defender a causa animal.

 

 

André Stanley é escritor e professor de História, Inglês e Espanhol, autor do livro "O Cadáver", editor dos blogs: (Blog do André Stanley, Stanley Personal Teacher). Colaborador do site especializado em Heavy Metal Whiplash. Foi um dos membros fundadores da banda de Heavy Metal mineira Seven Keys. Também é fotógrafo e artista digital.

Em Defesa do Romance Histórico






Moisés nasceu de uma pulada de cerca de seu pai, um hebreu que trabalhava em uma obra pública no Egito e sua mãe era uma mulher da corte do faraó egípcio. A passagem do Mar Vermelho não passou de uma travessia em um brejo onde a água não passava da canela, os soldados do Faraó tiveram o azar de atravessar na hora em que a maré subiu. Pelo menos esta é a versão imaginada por Gerald Messadié em seu romance “Moisés”. 

 

Mas o maior expoente contemporâneo da fértil imaginação de alguns romancistas, que exploram personagens e eventos históricos, talvez seja “O código Da Vinci” de Dan Brown. Neste best-seller, o escritor, embasado em algumas teses históricas e outras nem tanto, imaginou um Jesus Cristo muito diferente do casto senhor responsável pelo surgimento do cristianismo. No livro de Dan Brown, Jesus tinha uma mulher, Maria Madalena, e até mesmo gerou uma prole, cujos descendentes foram governantes de grandes impérios. Como todo livro mundialmente conhecido, já nasce como um roteiro de Hollywood, “O Código Da Vinci” foi parar rapidamente nas telonas, estrelado por Tom Hanks e a belíssima atriz francesa Audrei Tautou.

        

Apesar da polêmica provocada pelo fenômeno “Código Da Vinci”, Dan Brown não foi o primeiro a usar sua imaginação para falar de um Jesus diferente daquele que apregoam os líderes cristãos. Andrew Lloyd Webber em seu musical para o cinema “Jesus Cristo Superstar” imaginou Jesus como uma estrela pop. Até mesmo os humoristas do grupo “Monty Python” usaram de seu humor britânico para criar um Jesus Cristo com super poderes, nos moldes dos super-heróis dos quadrinhos.

        

Como podemos notar, quando se conta a saga de um personagem histórico muito conhecido, cabe a quem a conta, usar de sua criatividade para temperar a biografia destas figuras. Como historiador, eu deveria - na opinião de muitos de meus colegas – execrar esses escritores e roteiristas que escrevem coisas muitas vezes absurdas distorcendo a “realidade”.  Mas vou me abster de criticá-los neste texto, pois acredito que a criatividade artística não deve ser negligenciada, até mesmo por nós, que nos fazemos acreditar como cientistas da história e ao contrário, gostaria de exaltar o talento de alguns dos autores que estão inseridos dentro do rótulo "romancista histórico".

 

Se você é um leitor de romances em geral, saiba que é difícil para um leigo saber quando um texto literário se utiliza de elementos históricos ou até mesmo quando um livro de história passa a se utilizar de uma narrativa hipotética para preencher lacunas que as pesquisas históricas por ora não revelam. A questão é que, de toda forma você tem algo a ganhar lendo romances históricos, ou não, isso depende do seu propósito ao lê-lo. Caso você busque entretenimento, leia o romance como se fosse uma obra de ficção, afinal por mais que um romance tente se aproximar dos fatos ele será no final sempre uma obra ficcional, pois um romancista não tem compromisso firmado com a ciência. Agora se quer se aprofundar, use esse romance para entender a abordagem desta obra, respondendo as seguintes questões: Por que a obra aborda este evento com esse viés? Será que há outras obras que mostram o outro lado da história? Sempre questione.

 

Por exemple, em “Jogos funerários”, Mary Renault esboça o que provavelmente ocorreu após a morte de Alexandre da Macedônia. Me deparei com esse livro na prateleira de um restaurante de beira de estrada quando era um adolescente que viaja para shows de rock e digo que me apaixonei pela obra já no primeiro capítulo. O Livro é o final de uma série que conta a história de Alexandre o Grande. Nesse livro os generais de Alexandre disputam os territórios do conquistador após a sua morte. Temos aqui a História da queda de alguns generais e a ascensão de outros como Ptolomeu que se instalou no Egito e criou a dinastia Ptolomaica que se findou cerca de 3 séculos depois com Cleópatra a última soberana desta linhagem.

 

Mary Renault
Mary Renault foi uma autora que elegeu o período helenístico como fonte de inspiração para seus textos e chegou a escreve uma biografia de Alexandre, onde ela tentou ser imparcial o suficiente para não deixar sua veia de romancista intrometer em suas convicções sobre esse personagem histórico, mas a crítica não perdoou sua predileção a declarar abertamente que Alexandre o Grande era um líder de primeira grandeza, quase imaculado.

O que quero dizer é que se você ler “Jogos Funerários” como uma obra de ficção e puro entretenimento, você terá seu desejo atendido, no entanto, se você quiser se aprofundar nos fatos descritos ali, terá que ler textos acadêmicos que corroboram ou não tal história e é justamente isso que torna os romances históricos fascinantes, vocês não têm compromisso com o fato e sim com uma boa forma de contar uma história.

 

Erich Maria Remarque
Em “Nada de Novo no Front” de Erich Maria Remarque, o protagonista descreve detalhadamente a vida nas trincheiras entre a Alemanha e a França onde os soldados de ambos os lados tinham que urinar em suas armas quando acabava a água do sistema de refrigeração - algumas armas deste período tinham uma especie de radiador - porque eles ficaram com sede e não havia onde conseguir água durante os sangrentos conflitos da primeira guerra mundial.

 

O autor viveu de perto os horrores desse conflito quando era um soldado do exército alemão e descreve detalhadamente todos os pormenores vividos pelos soldados nas trincheiras. Ou seja, neste caso temos um romance baseado em uma experiencia pessoal vivida pelo autor, em alguns momentos parece um diário, mas Maria Remarque é um romancista e estamos falando de uma obra de ficção, mas é a descrição mais realista que temos da vida nas trincheiras da primeira guerra mundial.

 

A conclusão é a seguinte. Os romances históricos não nos dizem o que realmente aconteceu, mas nos apresentam, na melhor das hipóteses, uma ideia do que poderia ter ocorrido e cabe aos historiadores se aprofundarem nos documentos históricos e corroborarem as versões apresentadas pelos romancistas ou negarem completamente. No final, mesmo que uma ideia apresentada por um autor seja descartada completamente pela ciência, o seu valor ainda permanece vivo como texto literário e literatura é sobretudo a arte de criar histórias que nos dizem algo sobre nós mesmos.

 

Diga ai o que você pensa. Você gosta de romances históricos? Tem algum para sugerir?

 




André Stanley é escritor e professor de História, Inglês e Espanhol, autor do livro "O Cadáver", editor dos blogs: (Blog do André Stanley, Stanley Personal Teacher). Colaborador do site especializado em Heavy Metal Whiplash. Foi um dos membros fundadores da banda de Heavy Metal mineira Seven Keys. Também é fotógrafo e artista digital.

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