quinta-feira, 20 de julho de 2017

El Cid - A literatura Medieval traduzida para a linguagem hollywoodiana.

Poster do filme El Cid de 1961

O objetivo desse artigo é analisar o filme “El Cid”, do cineasta norte-americano Anthony Mann lançado em 1961, comparando-o com o poema medieval, “Cantar de Mio Cid” o qual, a obra cinematográfica em questão traduziu para a linguagem cinematográfica. O texto que conhecemos como o “Cantar de Mio Cid” data de 1207 quando foi transcrita por um copista chamado Per Abbat provavelmente baseando-se em escritos anteriores. Não há informações sobre quem é o verdadeiro autor do poema, pois a exemplo das epopeias clássicas trata-se de uma transcrição de poemas populares que eram cantados por poetas que o recitavam desde tempos mais remotos. Esta é considerada a obra fundadora da literatura de língua espanhola. 

Podemos declarar simplisticamente que o filme de Anthony Mann se trata de uma versão romanceada do poema medieval que conta a história das conquistas militares levadas a cabo pelo lendário cavaleiro castelhano Don Rodrigo Diaz que recebeu a alcunha de El Cid Campeador. El Cid foi uma figura histórica que realmente existiu e é talvez o herói máximo da unificação da Espanha cristã no século XIII. O poema trata das últimas campanhas militares de El Cid que culminou com a conquista – ou reconquista – de diversos territórios que se encontravam sob domínio mouro há séculos. O manuscrito transcrito por Abbat mostra um cavaleiro medieval clássico, forte, valente, piedoso, fiel. Ou seja, catalizador das maiores virtudes atribuídas e esperadas de um guerreiro medieval cristão. 

O filme de Mann também procura munir seu protagonista com esses mesmos atributos. Como por exemplo na cena em que El Cid se oferece ao seu rei Fernando I de Leão, para duelar com o campeão de um reino com o qual disputava territórios. Na ocasião o campeão do rei Fernando I, havia rechaçado o pai de Don Rodrigo em público e diante da recusa de um pedido de perdão implorada por El Cid, ele é morto pela espada do campeador. No discurso de oferecimento de seus serviços ao rei que não acreditava na capacidade de El Cid, em duelar com um campeão que já havia matado 27 cavaleiros em duelo corpo a corpo. El Cid se oferece, pois, fora ele próprio que deixara o rei sem seu campeão e que estava agora se colocando a serviço do rei para limpar sua imagem diante da corte onde o estavam acusando de traição. El Cid declara: “ Deixe-me agora oferecer-me diante de sua alteza, se eu for culpado Deus direcionará a espada de Don Martin direto para meu coração, se eu for inocente Ele será meu escudo”. A cena mostra um homem corajoso colocando sua vida em risco em nome de sua honra e colocando seu destino na mão de seu Deus. 

O filme também retrata a aliança que El Cid esporadicamente fazia com alguns líderes mouros para lutar contra reinos que lhes eram mutuamente inimigos. Essa faceta do campeador é um ponto em comum com o poema medieval que retrata suas amizades com alguns mouros, algo que não ocorria por exemplo com os judeus. 

O poema, no entanto, começa a narrar a história após o exílio de El Cid proclamado pelo rei Alfonso VI, filho de Fernando I que ao morrer dividiu seu reino entre seus filhos. Na ocasião Alfonso sobe ao poder depois da morte de seu irmão Sancho que queria reunificar os reinos de seu pai novamente e tinha em Don Rodrigo um forte aliado. Don Rodrigo exige que Alfonso antes de ser coroado jurasse publicamente que não tinha tido participação no assassinado do irmão. A cena do juramento é um dos pontos altos do filme e é por conta dessa impertinência de exigir o juramento do rei que ele é exilado, o que ocorre já na segunda metade da trama. Os elementos que o roteirista usa para contar a história de El Cid anterior ao exílio, apesar de inverossímeis, foram também baseadas em outros escritos biográficos sobre o campeador. 

A linguagem cinematográfica, no entanto, desfigura uma premissa medieval muito clara no poema, onde a mulher é praticamente uma possessão de seu marido tendo que ficar confinada longe dos olhares alheios enquanto seu marido sai a guerrear por aí. A figura de Dona Jimena, esposa de Don Rodrigo, na obra literária é secundária não tendo uma utilidade marcante como o filme veio a mostrar. Sophia Loren como a interprete de Jimena no filme, já nos dá a dica de que ela será quase uma protagonista, e assim o é. Afinal de contas, ao contar uma história medieval para um público contemporâneo sem conhecimento histórico suficiente para entender a mentalidade da época não é tarefa fácil.

A transposição da lenda de El Cid para o cinema, como era de se esperar, sofrera uma transfiguração, que eu chamaria de adequação temporal, introduzindo um elemento caro ao homem do século XX que pensa o casamento como a realização de um ideal romântico, onde duas pessoas que se apaixonam se buscam e não conseguem viver um sem o outro. 

Enquanto a mulher do século XX está à procura de um príncipe encantado e tem ilusão de que ele será um homem ideal que vai amá-la e respeitá-la até que a morte os separe, à mulher da idade média nunca chegaria a cogitar essa possibilidade esperando passivamente que seus familiares formalizassem um contrato com uma outra família, e a partir de então, viver a vida de cárcere legada a ela. 

As tentativas de buscar o Don Rodrigo histórico foram até bem-intencionadas, com a utilização de figurinos magníficos e até de uma pesquisa histórica feita em fontes diversas, mas não podemos ser ingênuos ao ponto de declarar que o filme “El Cid” está sintonizado com as fontes que o geraram. Hollywood não está preocupado com os aspectos históricos de suas produções, mas sim com a simples tarefa de entreter. Mas não deixa de ser uma boa obra cinematográfica. 

É uma produção grandiloquente, com cenas épicas de batalhas e duelos entre cavaleiros, tem um protagonista com uma índole superior, representando tudo o que de mais virtuoso há em um homem comprometido co sua honra e seu temor à Deus. Sua bela esposa Jimena representa a mulher ideal sonhada por qualquer homem do século XX. Há também antagonistas caricatos como o rei mouro que pretende ser o senhor de todos os reinos muçulmanos e é sempre representado de preto e com o rosto semicoberto. Mostra a ascenção de um rei Alfonso frágil e dependente de El Cid. Com todos esses elementos, temos um enredo que se distancia do histórico e nos aproxima do que idealizamos como sendo uma época heroica e romântica, onde o antagonismo entre o bem e o mal era bem definido. Onde a prevalência da honra e da moral deve ser o objetivo final.

Fontes:

  • Cantar de Mio Cid - PDF domínio Público disponível em: http://www.biblioteca.org.ar/libros/200138.pdf. Acesso em: 20 de julho de 2017.
  • Cantar de Mio Cid (POema de Mio Cid), audio libro - Youtube. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=lA-_7U3pFxQ. Acesso em: 20 de Julho de 2017.
  • El Cid. Direção: Anthony Mann. Produção: Samuel Bronston Productions em associação com Dear Film Production. Itália/EUA, 1961, cor, 182 min. Lançado por: Allied Artists Pictures Corporation.
  • Montaner, A. El Cantar de Mio Cid. Real Academia Española. FUndación José Antonio de Castro, Madrid.
  • Vernon Johns Society, The El Cid(1961). Disponível em: http://www.vernonjohns.org/snuffy1186/elcid.html. Acesso em: 20 de julho de 2017.




    André Stanley é escritor e professor de História, Inglês e Espanhol, autor do livro "O Cadáver", editor dos blogs: (Blog do André Stanley, Stanley Personal Teacher). Colaborador do site especializado em Heavy Metal Whiplash. Foi um dos membros fundadores da banda de Heavy Metal mineira Seven Keys. Também é fotógrafo e artista digital.

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