Primeira folha do manuscrito "Cantar de mio Cid" conservado na Biblioteca Nacional de España. |
Versão Resumida
Ao falarmos sobre a fundação do Estado espanhol, essencialmente estamos falando sobre a fundação do Estado moderno de uma forma geral. Afinal é na península ibérica que surgem os primeiros Estados nacionais da era moderna. Foi somente a partir do século XV, nas ruinas do sistema feudal, que começaram a se desenhar as unidades geográficas hoje conhecidas como estados soberanos, que consiste em um território delimitado por fronteiras físicas constituídas histórica e culturalmente, regidas por uma legislação própria e governadas por um soberano que em um primeiro momento se confunde com o próprio Estado. A figura do rei se torna a representação máxima da soberania de uma nação. Para entendermos o Estado moderno, como o conhecemos hoje, faz se necessário revisitar os elementos fundadores que tiveram relevância na formação dessa estrutura política que será uma medida recorrente na história humana a partir de então.
Um dos elementos fundadores do Estado moderno é a consolidação de uma cultura nacional compartilhada entre todos que vivem dentro das fronteiras desse território e, portanto, sob o jugo de seu soberano. Dentro dessa cultura nacional encontram-se elementos indispensáveis para a criação de uma identidade nacional que será comum a todos os vassalos de determinado governante. A religião de estado, tem nesse primeiro momento, o papel de, não somente unificar a crença da população, mas também de legitimar o papel do soberano como um detentor incontestável do poder sobre todos os seus vassalos. Afinal ninguém contestaria a legitimidade de um monarca inserido em seu posto pela vontade divina.
A língua nacional também é elemento significativo que constitui a identidade de uma nação. É através de uma língua em comum que as pessoas de um mesmo Estado se fazem entender e serem entendidos dentro de seu território. A língua é por si só elemento excludente que permite que um forasteiro – alguém que não compartilha dos mesmos elementos culturais de determinada população – seja identificado. Nesse sentido a literatura produzida dentro desse território se torna importante propagadora da cultura local.
O poema medieval narra de forma épica as conquistas militares levadas a cabo pelo lendário cavaleiro castelhano Don Rodrigo Diaz de Vivar que ficou conhecido pela história como “El Cid” o campeador. Tratasse de uma das primeiras obras literárias escritas originalmente em castelhano. A versão que chegou até nós do poema, data do século XIV e foi transcrita por um copista chamado Per Abbat. Não sabemos quem é realmente o autor do poema que é tido como anônimo, pois a exemplo das epopeias clássicas trata-se de uma transcrição baseada em cantos antigos que eram executados oralmente por poetas catalães.
1 – Como se deu a construção do arquétipo de herói medieval no poema? Pretendemos elencar no texto medieval os elementos que consolidaram a figura de El Cid como uma figura ideal e incorruptível que deverá ser tomada como modelo de homem espanhol.
2 – Qual a relevância desse poema para a formação e consolidação de uma identidade nacional espanhola?
Temos em “El Cantar de Mio Cid” elementos que podem comprovar que a obra teve papel relevante na formação de uma identidade espanhola. É notório que o protagonista do poema é até os dias atuais um herói nacional na Espanha e apesar de muitas controvérsias terem surgido no decorrer da história sobre sua índole, não temos a intenção de discutir a figura histórica do homem, El Cid, mas sim o herói mitológico que se tornou arquétipo de valentia, lealdade e piedade cristã.
O poema é fruto da necessidade, ainda embrionária, de se ter um modelo de homem virtuoso. Um homem que fosse a medida essencial de piedade, justiça e valentia. Formou-se em torno desse personagem a imagem fundamental e incontestável do cavaleiro medieval cristão. El Cid inaugura essa figura arquetípica, que fora construída a partir dos confrontos políticos de afirmação do poder na região ibérica. O ingrediente religioso que deu a El Cid a faceta piedosa e temente a Cristo, está no cerne da retomada do domínio cristão na região em detrimento do islamismo. O mito surge para autenticar a vitória cristã como sendo algo determinado pelo sagrado, mas efetuado por homens de carne e osso.
Bibliografia sugerida
- BURKE, P. A fabricação do rei: a construção da imagem pública de Luis XIV. Rio de Janeiro: Zahar, 1994.EL CANTAR de Mio Cid. – Domínio Público, disponível em:http://www.biblioteca.org.ar/livros/200138.pdf. Acesso em: 30 de agosto de 2016.
- HOBSBAWN, E; RANGER, T. La Invención de la Tradición. Barcelona, Crítica, 2002.
- MONGELLI, L.M. (Coord). Mudanças e Rumos: O Ocidente Medieval (Séculos XI-XIII), Ibis, Cotia SP, 1997
- André Stanley é escritor e professor de História, Inglês e Espanhol, autor do livro "O Cadáver", editor dos blogs: (Blog do André Stanley, Stanley Personal Teacher). Colaborador do site especializado em Heavy Metal Whiplash. Foi um dos membros fundadores da banda de Heavy Metal mineira Seven Keys. Também é fotógrafo e artista digital.
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