sexta-feira, 1 de julho de 2016

Ideologia e literatura: O conflito entre a arte da escrita e a militância política.


A literatura produzida no século XX, no Brasil, foi marcada inicialmente por uma ruptura com as correntes literárias que vinham dominando havia tempos a produção literária brasileira. Se, por um lado, buscou-se romper com o idealismo exacerbado dos escritores românticos e mostrar um Brasil mais realista, dando vazão a temas sociais e políticos, por outro lado, a introdução de novas ideologias vindas do exterior determinou o rumo das produções de grande parte das obras desse período. O movimento modernista que tem como início simbólico a Semana de Arte Moderna de 1922, buscou quebrar bruscamente com todos os clichês formais dos movimentos anteriores. A iniciativa de se buscar uma nova orientação para a arte no Brasil e especialmente para a literatura se tornou um momento significativo para a produção literária brasileira.
Muitos autores importantes, que de certa forma deram o tom da produção literária brasileira posterior, escreveram a serviço de suas convicções políticas, produzindo verdadeiras cartilhas ideológicas sob a alcunha de literatura. Não é difícil identificar essa tendência. Com uma rápida análise podemos pinçar como exemplos, o ultranacionalista Policarpo Quaresma criado por Lima Barreto – ainda antes do surgimento do modernismo – Zé Candinho personagem de “O Estrangeiro” de Plínio Salgado, os heróis proletários da primeira fase de Jorge Amado, somente para citar alguns. Esses autores, divergentes em suas crenças, se assemelhavam na sua forma ideológica de fazer literatura. Esse tipo de literatura abertamente comprometida com visões de mundo idealizadas, logo produziram clássicos que até hoje em dia são referências e fontes de estudo para vestibulares e provas afins para acesso às universidades.
Proponho fazermos aqui algumas reflexões. As análises dessas obras levam em conta os aspectos ideológicos que elas propagam? Quais são os critérios utilizados para inserir tais autores no panteão da literatura brasileira? Por que são escassas as contestações qualitativas feitas a esses autores?

Panfleto político anunciando a candidatura
de Jorge Amado a deputado Federal,
pelo  PCB em 1945

Sem negar a importância histórica dessas obras e até mesmo dos autores que as escreveram, seria pertinente para entender o verdadeiro papel da literatura, analisar a qualidade literária contida nessas obras. Para saber se uma obra pode ser considerada boa literatura, devemos esboçar aqui algumas diretrizes que nos ajudem a entender ao que se propõe a literatura. Primeiramente devemos questionar sempre o que um autor pretende com sua obra. Se encontramos nela uma visão de mundo fechada, sem dar ao leitor qualquer chance de fazer questionamentos sobre sua própria vivencia, é o primeiro resquício de uma possível doutrinação ideológica. Como ocorre sutilmente em “Mar Morto” de Jorge Amadoem outras obras desse período, o escritor é mais abertamente um militante comunista. Nesse romance, o autor não oferece ao leitor nenhuma forma, na própria obra, de contrapor a sociedade totalmente utópica criada como forma mais sublime de relações humana. O leitor recebe pronta a ideia de uma sociedade cativante formada por habitantes do cais da Bahia, sem a intervenção da classe média, como se ela não pudesse intervir naquela sociedade harmônica.
Outro aspecto importante a se considerar é a ambição do autor, que muitas vezes ingenuamente acha que com a literatura ele pode concretizar uma mudança estrutural ao seu redor. Geralmente embasado por questões políticas. Não é papel da literatura salvar o mundo, no máximo o que ela faz é apresentar versões desse mundo. A obra literária por assim dizer, não tem qualquer compromisso com a construção de um sistema social ideal, mas sim fazer releituras dos sistemas já existentes.
Portanto, toda obra que apresenta uma visão de mundo ou tenha um objetivo político, se aproxima mais da doutrinação e se afasta da literatura como produção artística. Como declarou Gao Xingjian, prêmio Nobel de literatura de 2000, “a literatura não faz da crítica social sua missão, e não usa uma visão de mundo pré-fabricada nem um sistema de valores nela alicerçada para julgar a sociedade”. Para ele “os depoimentos da literatura se valem da estética. A estética emana primeiramente da natureza humana, estando intimamente associada à incorporação das influências culturais que se deu no decorrer de um extenso período da história humana”.
Portanto, a primeira coisa a que uma obra literária de qualidade nos faz atentar é para a sua forma estética, esse sim pode ser estabelecido como um juízo de valor que está acima de qualquer utilidade prática da literatura. Ainda que esse pressuposto possa parecer apenas uma intervenção técnica da crítica literária ou uma tentativa de estabelecimento de uma diretriz teórica para a análise de um texto, ele captura – segundo o crítico italiano Alfonso Berardinelli, “um aspecto da realidade literária e exprime uma vontade legítima: que nem toda nossa imaginação e que nem todos os nossos pensamentos possuam ou tenham que possuir uma relação com a realidade social presente, muito menos com as opiniões políticas, e menos ainda com as disputas políticas momentâneas”.

Notamos aqui que, para considerarmos uma obra como digna de ser chamada de literatura, ela não deve ter ambições que não estejam no campo da estética, e que um bom autor é talvez aquele que não deixa suas convicções políticas transparecerem em sua arte. O papel do crítico literário é, portanto, avaliar esses preceitos. “Se não avaliarmos as obras com base em critérios estéticos, seremos militantes de determinadas causas, mas não críticos literários”, assim declara LeylaPerrone-Moisés.

Fontes:


    André Stanley é escritor e professor de História, Inglês e Espanhol, autor do livro "O Cadáver", editor dos blogs: (Blog do André Stanley, Stanley Personal Teacher). Colaborador do site especializado em Heavy Metal Whiplash. Foi um dos membros fundadores da banda de Heavy Metal mineira Seven Keys. Também é fotógrafo e artista digital.

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