Nome: A Casa de Areia e de Nevoas
Nome original: House of sand and fog
Direção: Vadim Perelman
Ano de produção: 2003
País: EUA
Ao assistir este filme não pude deixar de fazer uma analogia ao termo “gaiola de ferro” utilisado por Max Weber para definir o que acontecerá com a extrema burocratização do Estado. Pois vemos uma jovem que por negligência não paga seus impostos patrimoniais e perde sua casa , enquanto outro homem se aproveita de sua displicência para comprar a casa por um preço bem abaixo do que ela realmente vale, para faturar no repasse. A garota fica judicialmente de mãos atadas, mesmo quando a prefeitura assume que errou na venda do imóvel. A trama se desenvolve neste clima de batalha judicial onde vamos nos identificando com cada um dos personagens que vão interagindo com os protagonistas. Não encontramos os vilões típicos de filmes americanos e por outro lado não vemos os mocinhos que surgem sempre como santos isentos de culpa. São personagens sobretudo humanos, como nós, que estamos do outro lado da tela. Daí me permiti uma outra analogia com o filosofo Jean Jacques Rousseau quando fala a respeito do “bom selvagem”. “ o ser humano é bom por natureza, é a sociedade que o corrompe”.
Esta obra retrata o conflito do indivíduo com as convenções que o tornam um ser social. O filme extrai da sociedade contemporânea dos EUA, duas vidas distintas, traçando assim um paralelo entre duas culturas diferentes. Cada uma delas moldada ao longo da história por convenções inerentes ao seu sistema social.
De um lado Behrane, que simboliza o indivíduo moldado pela cultura árabe, que busca uma aproximação com o capitalismo ocidental, entretanto sem se despir de seus conceitos religiosos. Do outro lado uma jovem inserida no mundo capitalista com todas as características pertinentes ao seu status. Divorciada, ex-alcoolatra, negligente com a burocracia de seu país. Ou seja um tipo de hedonismo tolerado pela democracia ocidental. Esta é a jovem Katty interpretada pela bela atriz Jennifer Connelly. Katty recebe uma ordem de despejo, já que esta não havia pago os impostos referentes à casa que herdara de seu pai. Como Katty nunca abria as correspondências que lhe eram entregues pelos correios, perdeu a oportunidade de recorrer contra esta decisão da justiça. A burocracia do município onde Katty mora se torna um instrumento legal para transformar-la em uma “sem teto”, da noite para o dia. Como na “gaiola de ferro” de Max Weber, Katty se vê impotente diante da máquina burocrática que rege sua vida.
É neste momento da trama que a vida dos dois indivíduos citados acima vão se cruzar. Behrane, o Coronel iraniano que tem cidadania norte-americana se utilizando de suas últimas economias, compra uma casa leiloada pelo município. Esta é a mesma casa tomada de Katty pelo município. Esta casa neste momento é um instrumento de que os dois precisam para manter as aparências. Mesmo depois de ter conseguido que o município assumisse o erro no processo de venda daquele imóvel e oferecer pagar o ao comprador o mesmo valor que este pagou pela casa, Katty encontra um grande empecilho. O coronel Behrane se mostra inflexível à proposta do município e só aceita vender a casa por um preço quatro vezes maior. Ou seja Behrane deseja a casa sobretudo como investimento para obter um bom lucro com a venda desta, assim mantém seu status de imigrante que prosperou na América. Aliás vemos em todo o filme que esta é a bandeira empunhada por Behrane. Katty por sua vez olhava para aquela casa como um troféu familiar, pois seu pai havia lutado muito para conseguir comprar aquela casa e deixa-la de herança, e em pouco tempo ela perde este que é o seu maior bem. Vemos uma questão de honra tanto para Katty, quanto para Behrane, em termos diferentes. Mas em ambos os casos o intuito é manter as aparências.
Notamos que os fatores externos que a sociedade agregou a estes dois indivíduos são preponderantes no empasse que enfrentaram neste momento. Empasse que será o estopim de uma verdadeira “tragédia grega”, onde mais uma vez as convenções convencionais serão responsáveis pelo desfecho trágico da trama. Além do aspecto burocrático que nos remete aos textos de Weber, que afirma que com a extrema burocratização do Estado este tende a se fechar em uma “gaiola de ferro”, algo também pode ser análogo à teoria de Rousseau sobre o “bom selvagem”. Na última cena podemos notar com mais nitidez que praticamente todos os personagens desta trama possuem o que podemos chamar de boa índole. A humanidade escondida por detrás dos atos impiedosos que estes praticam uns aos outros é desnudada com o remorso que cada um expressa ao termino do filme. Vemos ali suas fraquezas humanas, e até nos identificamos com elas. O pai que abandona sua família para viver com outra, o ex-militar fugido de seu país que violenta sua esposa em nome de sua honra doentia, o envolvimento com álcool, a tentativa de resolver tudo por intermédio da força, são todos estes, elementos que nos pertencem, e parecem ser inerentes à sociedade moderna. Notamos no final do filme pessoas que praticaram atos desleais e desnecessários com outras pessoas, mas que nunca moveriam uma palha para prejudicarem alguém se não fosse a necessidade de manterem suas aparências mediante as convenções sociais que tem por verdades.
Retire de Katty esta ânsia de se manter honrada. Retire de Behrane este mesmo elemento capitalista de ser um vencedor dentro do centro do capitalismo mundial, e não haveria razões para este trágico desfecho. O ser humano é o que é, segundo a sociedade que o molda. Esta máxima rousseauniana é o elemento chave desta obra. Ao notarmos que estas pessoas só são más quando inseridas nos conflitos sociais que diariamente travam para manterem suas aparências em uma sociedade onde a razão de viver esta no quanto podemos parecer bem-sucedidos, também vemos que naturalmente não passam de pais amáveis, que buscam o melhor para seus filhos, mesmo que em detrimento de si próprio, ou alguém que busca se livrar do vício do álcool para melhorar a qualidade de vida, um homem que é respeitado como excelente policial. Mas a obra ainda possui muitos elementos a serem refletidos, pelo espectador.
Este filme nos permite uma série de constatações a respeito dos mecanismos que regem a sociedade que por sua vez rege a vida dos indivíduos. O roteiro é elaborado através de fatos cotidianos dos personagens envolvido na trama. Este drama nos mostra muitos pontos que nos permite indagações a respeito da alienação social da qual somos parte. O titulo, um tanto abstrato só poderá ser compreendido após o término do filme. Quando nota-se que a casa foi o embrião de todo aquele trágico desfecho. A casa na verdade era um instrumento de que os dois protagonistas precisavam para manterem suas aparências mediante a sociedade. Não passava de um simbolismo para a vaidade pessoal de cada um. Quando Katty encontra seu oponente morto ao lado de sua esposa depois de cometer suicídio ao saber da morte do filho, ela percebe a futilidade daquela casa que tanto desejava. Parece um final daqueles que nos querem deixar uma mensagem edificadora, mas é mais do que isto. É um filme que nos permite dialogar a respeito de nossa conduta social.
- André Stanley é escritor e professor de História, Inglês e Espanhol, autor do livro "O Cadáver", editor dos blogs: (Blog do André Stanley, Stanley Personal Teacher). Colaborador do site especializado em Heavy Metal Whiplash. Foi um dos membros fundadores da banda de Heavy Metal mineira Seven Keys. Também é fotógrafo e artista digital.
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