quinta-feira, 19 de setembro de 2019

"Inacreditável" - Série mostra o drama de vítima de estupro desacreditada. (spoilers)





Esta série da Netflix tem potencial para ser uma peça de destaque entre as melhores séries de investigação criminal do catálogo. Inacreditável (Unbelievable) trata de traumas irreversíveis em vítimas de estupro e da dificuldade encontrada por grande parte dessas vítimas que são desacreditadas por autoridades despreparadas para realizarem um interrogatório.

A série acompanha duas histórias simultaneamente, em uma delas temos duas detetives do estado do Colorado que ao cruzar dados de suas investigações começam a traçar o perfil de um estuprador em série e se depararem com evidências comportamentais e materiais que ligam alguns casos que elas vinham investigando. Em paralelo a essa investigação, podemos acompanhar também a história de uma jovem de 18 anos que denunciou um estupro sofrido por ela no apartamento em que morava em Lynwood, no estado de Washington. Durante o interrogatório foi convencida pelos policiais de que não havia nada de substancial que pudesse realmente identificar que um estuprador estivesse no quarto da vítima. A vítima retira sua queixa e logo em seguida é processado pela cidade por falso testemunho.




A trama foi baseada em um evento real que ocorreu entre 2008 e 2011, quando uma série de mulheres relataram terem sido estupradas durante a noite enquanto dormiam. Todos os casos revelaram um mesmo perfil de estuprador e um mesmo modus operandi.

Depois de uma longa investigação, as detetives Karen Duvall e Grace Rasmussen conseguem todas as evidências necessárias para chegar até o criminoso que foi preso e condenado a mais de 300 anos de prisão pelos crimes.
Visualmente a série explora bastante os modernos quartéis generais da polícia investigativa do Colorado. Salas grandes e arejadas, equipadas com computadores modernos e monitores enormes de alta definição, salas de conferência com mesas de madeira e iluminação natural provinda de uma janela inteiriça com uma bela visão de parte da cidade. Não sei se essas instalações correspondem à realidade, mas a impressão que fica, é de que as delegacias de polícia do interior do Colorado contrastam totalmente com as caóticas delegacias de polícia de Nova Iorque ou Los Angeles que víamos nos filmes policiais dos anos 70 e 80.

Creio que a série, após causar um mal-estar no telespectador, agradará as representantes dos movimentos feministas, afinal todas a protagonistas são mulheres e executam um trabalho técnico primoroso no que diz respeito a investigação criminal. Socialmente falando a série aborda a dificuldade que as vítimas de estupro ainda encontram ao denunciar o crime, em alguns momentos são desencorajadas a fazê-lo. Notamos nitidamente na história de Marie – a jovem de 18 anos que primeiro denunciou ter sido estuprada – que há uma crítica contundente à cultura machista que ainda persiste entre os coletores de depoimentos nos departamentos de polícia por todo o EUA. Afinal de contas, foi preciso que duas detetives, mulheres, se unissem para desvendar o crime, e colocar o criminoso atrás das grades, caso contrário o estuprador estaria solto pelas ruas violentando mais mulheres.

Os personagens masculinos da série são apáticos, aparecendo em segundo plano como meros apoios retóricos e em sua maioria são incompetentes, como os detetives que primeiro tomaram o depoimento de Marie e mesmo depois dos vários relatos da vítima e de evidências materiais do crime decidiram negligenciar tudo para manter um discurso que já tinham previamente, a de que a menina já tinha um histórico de má conduta e que realmente ela estava querendo chamar a atenção, o que levou a depoente a mudar o discurso e negar ter sido vítima de um crime cuja denuncia só lhe rendeu o escárnio e desaprovação dos agentes públicos que tinham por dever defende-la.

Marie representa a garota rebelde e sem pais  e que por isso tem uma adolescência conturbada, mas mesmo assim consegue trabalhar para se sustentar e mesmo debaixo de toda sorte de adversidades provindas de sua situação de desamparo e exclusão social – há momentos que parece que Marie simplesmente é tragada por uma sucessão de eventos traumáticos dos quais ele jamais conseguirá sair e tudo que já era ruim tende sempre a piorar –  ela ainda é capaz de seguir em frente sem a ajuda de ninguém, somente pelo seu mérito e personalidade forte.

A série foi baseada no artigo "An Unbelievable Story of Rape” (Umainacreditável história de estupro) publicado em 2015 pelos jornalistas T. Christian Miller e Ken Armstrong que trabalharam separadamente na investigação da história e em 2016 receberam o prêmio Pulitzer por esse trabalho. O artigo se tornou um livro chamado “A False Report: A True Story of Rape in America” (no Brasil: Falsa acusação – Uma história verdadeira -Editora Leya).

Os nomes das personagens foram alterados na série, não se sabe porque, sabemos no entanto, que Marie é um dos sobrenomes da jovem que denunciou o estupro pela primeira vez e foi a inspiração para a personagem Marie Adler (Kaitlyn Dever). As detetives Rasmussen (Toni Collette) e Duvall (Merritt Wever) que desvendaram o caso e prenderam o criminoso são baseados em duas detetives reais do estado do Colorado, respectivamente Edna Hendershot e Stacy Galbraith.

A série é muito promissora e certamente será o estopim de muitos comentários de amor e ódio nas redes sociais, afinal trata de um tema difícil de digerir na sociedade moderna, a negligência quase que institucionalizada em relação a mulheres que decidem denunciar um estupro.

Assista o trailer oficial




Fontes:


André Stanley é escritor e professor de História, Inglês e Espanhol, autor do livro "O Cadáver", editor dos blogs: (Blog do André Stanley, Stanley Personal Teacher). Colaborador do site especializado em Heavy Metal Whiplash. Foi um dos membros fundadores da banda de Heavy Metal mineira Seven Keys. Também é fotógrafo e artista digital. 

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