sexta-feira, 14 de junho de 2013

Muito além dos 20 centavos.

Foto: Eduardo Knapp/Folhapress


Foto: Giba Bergamim Jr. / Folhapress

“A estudante de Rádio e TV Gabriela Lacerda, 24, estava com o namorado no bar Charme da Paulista, na esquina com a alameda Casa Branca, quando um grupo de policiais portando escudo e tonfa (espécie de cassetete) abordou clientes e derrubou as mesas e cadeiras que estavam na calçada.
Os policiais ordenaram a funcionários do estabelecimento que fechassem as portas e, aos gritos e empurrões, mandou todos os clientes irem embora.” Leia na Folha .com

Foto: Eduardo Anizelli/Folhapress

Essa noticia que de tão extraordinária para esse país parece um anacronismo histórico. Pois poderia – com algumas pequenas adaptações terminológicas – facilmente estar estampada em algum jornal paulista da década de 60 ou 70. Na verdade trata-se de uma notícia novinha em folha. Manifestantes que se dizem contrários ao aumento das tarifas de ônibus em São Paulo e vários centros urbanos do Brasil vêem organizando passeatas no decorrer dessa semana para demonstrar seu descontentamento. A imprensa tanto escrita quanto televisionada, em um primeiro momento e de uma forma geral noticiou os excessos praticados pelos manifestantes, dando destaque aos atos de vandalismo que estes vinham praticando durante os protestos.

Entretanto, na ultima quinta feira dia 13, muitos órgãos de imprensa mudaram o tom de suas criticas e passaram a dar ênfase na truculência da policia. Vários jornalistas foram detidos enquanto faziam seu trabalho, e alem disso vários outros foram feridos pelas balas de borracha disparadas pelos policiais. “Um fotógrafo, que fazia a cobertura do protesto contra a alta da tarifa de transporte em São Paulo ontem no centro da capital paulista, foi atingido por uma bala de borracha no olho e corre o risco deperder a visão.”


Foto: Kátia Passos/Divulgação
O fotógrafo Sérgio Silva, da Futura Press, atingido no olho por uma bala de borracha.


Foto: Diego Zanchetta/Estadão Conteúdo
Repórter da Folha Giuliana Vallone: Ferida, aparentemente por uma bala de borracha disparada por policiais.

Até mesmo o famoso ancora e formador de opinião Boris Casoy da Band teve que adaptar seu discurso conservador para enfatizar a perda de controle da polícia militar de são Paulo.

O prefeito Fernando Haddad, declarou que as imagens de violência por parte da polícia foram "lamentáveis e não condizem com São Paulo”. No entanto disse que a redução da tarifa está fora de cogitação e acrescentou que "A prefeitura não pode se submeter ao jogo de tudo ou nada. Ou é do jeito que eles querem ou não tem conversa".

O governador Geraldo Alckmin também declarou que "Quanto a reduzir o valor da passagem, não há possibilidade".

Muitos vêem se manifestando de forma veemente nesses últimos dias tanto a favor quanto contra esses eventos. Arnaldo Jabor, folclórico comentarista da Globo destilou sua critica bem formulada contra os manifestantes “aqui se vingam de que?” se referindo à falta de causa dos que protestam. Ainda chegou a dizer que “realmente esses revoltosos de classe média não valem nem vinte centavos”. Se referindo aos vinte centavos de aumento que ocorreu na tarifa dos transportes públicos.


O cientista político Carlos Novaes em sua participação no Jornal da Cultura defendeu os manifestantes dizendo que o raciocínio de que os manifestantes têm 3.000 reais para pagar fiança e protestam contra 20 centavos de aumento de tarifa deve ser superado. Pois “ o fato de os pais dos manifestantes terem dinheiro para tirar o sujeito da cadeia não quer dizer que ele não possa ter uma posição política contra o aumento das tarifas que atingem toda a população”. Jornal da Cultura 07/06/2013



Foto: Sebastião Moreira/Efe


Foto: Drago/SelvaSP





Minha Opinião:

Vimos vândalos quebrando vitrines de lojas tomados por um ódio terrível em seus olhos. Vimos imagens horríveis de soldados da polícia militar sangrando depois de serem atingidos por pedras atiradas pelos manifestantes. Vimos analistas tão respeitados pela sua opinião, geralmente certeira, se sintonizarem com o poder da grande mídia.

Não há como negar, esses eventos foram brutais para aqueles que os presenciaram. E a mídia com seu papel fundamental de informar ajudou a divulgar essa radicalização de um movimento que pregava uma manifestação pacifica. Claro que se a mídia desse país fosse confiável eu poderia terminar esse artigo por aqui. Mas não estou satisfeito com as opiniões que li e assisti a respeito desses eventos.

O Brasil vem passando por um momento único de sua história recente. Um momento de pura reflexão. Quem vê as manifestações de São Paulo apenas como uma requisição vazia, e uma forma de depredar o patrimônio público, está sob efeito de uma violenta amnésia. O movimento que luta pelo passe livre foi um estopim oportunista que resultou em um movimento generalizado de repulsa a essa política carcomida desse estado que esbanja incompetência.

Essa manifestação leva as ruas pessoas que estão cansadas de pagar cada vez mais por um serviço cada vez pior de transporte publico. E o fato de serem em sua maior parte estudantes de classe média não os faz menos merecedores de serem ouvidos ou de usarem seu direito de protesto.

Afinal o fato de você não ser atingido pelo problema não quer dizer que tenha que ficar calado, ou que não possa se posicionar contra algo que é realmente impróprio para uma população que já sofre tanto com a falta de tudo. Ou um homem não pode se posicionar a favor das mulheres que lutam por seus direitos, simplesmente por ser homem?

Os vinte centavos que provocou esses eventos não da conta de explicar todo o processo que está em jogo aqui. Quem pôde ver por trás das imagens midiáticas, notou que esses vinte centavos foram o desfecho de séculos de inércia política do povo desse país que parece agora dar sinais de erupção.


Article in English Here
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André Stanley 

André Stanley é professor e escritor; autor do livro “O Cadáver”; presidiu o Centro acadêmico do curso de História no UNIFEG em 2007, é membro efetivo da Ass. Dos Historiadores e pesquisadores dos Sertões do Jacuhy desde 2004. Atua hoje como professor e pesquisador de História. Também leciona língua inglesa idioma que domina desde a adolescência..

2 comentários:

  1. a questão central não é mais o aumento de 20 centavos nas tarifas (embora esse seja o problema motivador). Estão em jogo os limites da democracia, cada vez mais estreitos ao não tolerarem a realização de manifestações, a ocupação de espaços públicos e a participação popular na política.

    Igor Fellipe, Viomundo

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  2. "O libertário movimento deve deixar claro. O aumento de 20 centavos é sim a última gota. Mas nosso “copo” está cheio é de um modelo econômico que não democratiza as oportunidades, que não democratiza a terra, que não democratiza a educação, que não democratiza a sociedade. Deve deixar claro que o direito de ir e vir passa obrigatoriamente pela gratuidade do transporte coletivo e que este deve ser pago por aqueles que dele se beneficiam (ou seja, todo cidadão) e não pelos seus usuários. Somos contra a corrupção, mas não somos idiotas. A corrupção está entranhada em toda a sociedade. Não suportamos mais a corrupção policial, os “jeitinhos” para liberações de alvarás de grandes edifícios e shopping centers, não suportamos mais “um por fora” para acelerar processos na justiça, não suportamos mais concessões e privatizações que não trazem efetivo retorno para os mais pobres, não suportamos mais uma saúde e uma educação dirigida por um sistema que visa o lucro, não suportamos mais um modelo de eleições determinado pelo grande capital. O Brasil mudou e quer continuar mudando. Não queremos a volta da recessão, do desemprego, das privatizações escandalosas, da subserviência ao FMI e seu modelo de Estado Mínimo." por: Ferrer - do blog do Luis Nassif

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