terça-feira, 4 de dezembro de 2018

Literatura e ensino de língua estrangeira (com plano de aula anexo).

  • Público alvo – alunos de língua espanhola em escolas convencionais, ou institutos de ensino de idioma espanhol. (alunos entre 1º e o 3º anos do ensino médio).
  • Objetivo – aguçar o engajamento do aluno na leitura de obras literárias tanto na língua alvo quanto na língua mãe. 
  • Ter referências sobre obras literárias para a prática da leitura de língua estrangeira. Após este workshop, a aluno deverá dominar os seguintes tópicos. 
  • Uso do discurso direto e indireto.
  • Usar de forma espontânea estruturas linguísticas pertinentes ao debate de temas contraditórios. Ser capaz de defender seu ponto de vista de forma coerente.
  • Ter conhecimentos formais sobre o gênero conto. 
  • Ter conhecimentos formais sobre o gênero Ficção Cientifica.
  • Ter conhecimentos formais sobre sociedades distópicas.



O ensino de língua estrangeira está quase totalmente pautado dentro das estreitas fronteiras da linguística e sobretudo da linguística aplicada. Sendo assim, visto que a linguística é geralmente considerada como uma antítese da literatura, muito pouco se utiliza de textos literários dentro do processo de ensino-aprendizagem de uma segunda língua. No entanto, ao considerarmos a literatura como uma forma legítima e inesgotável de produção de linguagem, creio ser pertinente questionar esse afastamento entre literatura e linguística no que diz respeito ao ensino-aprendizagem de um novo idioma. Usar produções literárias como ferramenta de aprendizagem de uma língua estrangeira apresenta algumas controvérsias e podemos elencar, de pronto, alguns fatores adversos comumente apresentados por estudiosos. José Luis Oscar elenca três deles: 


1- A literatura é uma linguagem “especial”, que não é transferível para o uso prático da língua. Ou seja, não falamos com sonetos, nem pensamos com solilóquios teatrais. 

2- Ler textos literários exige estratégias de leitura que nem todo aluno está em condição de desenvolver. 

3- Pedir para um aluno que faça uma redação sobre seu país ou que leia um romance é um tipo antigo de tarefa, cujos resultados são poucos estimuladores e precários. (OSCAR,2003, p.17).

São três argumentos fortes e que fazem muito sentido no âmbito de uma aula tradicional onde professores não têm a obrigação de motivar ou encaminhar ninguém pelo mundo dos estudos literários. Acreditamos, no entanto, que há um problema ainda maior em relação ao uso de textos literários em uma aula de língua. 

Isto se torna um risco, caso o aluno veja estes textos como simples recortes linguísticos usados como andaimes para se construir uma ponte par a aquisição de um novo idioma, deixando os estudos literários em um segundo plano. Não pretendo, com essas objeções afastar por completo os estudos literários das aulas de língua, mas pelo contrário, chamar a atenção dos professores sobre sua responsabilidade no processo e na elaboração de suas atividades. Está nas mãos dos professores e instrutores de idiomas, que pretendam adicionar textos literários em suas aulas de língua, deixar claro aos alunos que a literatura possui valor em si mesma. Ou seja, não precisa de um motivo pedagógico ou uma razão metodológica para existir. 

Sendo assim, sua função social não se restringe apenas a aquisição de uma nova língua, mas continua seu trabalho cognitivo muito além da sala de aula. Dessa forma, a aquisição linguística se torna um efeito colateral dos estudos literários, mas não conseguiremos tal façanha com práticas conservadoras de leitura e escrita, mas sim colocando os alunos em contato com o contexto expresso na obra ficcional. Cada aluno deve se sentir apto a questionar as visões de mundo apresentadas pelo texto, assim como contrastar com sua própria vivência e modelos de mundo. Cada um dos estudantes deve ter o ímpeto de sugerir alternativas aos problemas elencados pelo enredo e ser cativado a produzir sua própria versão dos fatos e eventualmente ser preparado para produzir sua própria obra. 

Para exemplificar a aplicabilidade desses conceitos, criamos um cronograma de ações que poderiam ser usadas em um eventual estudo literário em uma aula de língua estrangeira. Para tal, escolhemos o conto “El Mundo Transparente” do escritor espanhol Francisco García Pavón. 

Por que a escolha de um conto, e não um romance ou uma obra mais complexa? Acreditamos que a complexidade extrema de uma obra literária e o tempo limitado são elementos que prejudicam o engajamento do aluno e dificulta a construção de uma atmosfera de motivação necessária para aplicabilidade dessas atividades. Mas também defendemos que os estudos literários sejam eles em uma aula de língua, ou em uma aula de literatura deve contemplar a leitura de outros gêneros discursivos na íntegra, mas para isso julgamos necessário um inicio suave que servirá de introdução para futuras aulas do mesmo estilo.


Proposta de aula - Workshop 

Nossa aula terá o formato de um workshop, ou oficina. Ou seja, será uma aula diferente das aulas convencionais de língua onde nosso principal objetivo é a comunicação imediata no idioma alvo. Isso por si só já implica em um maior engajamento do aluno que sai da rotina de aulas técnicas e repetitivas para uma intervenção diferente onde eles terão mais autonomia. 

Dividiremos as atividades em três etapas, 

1- Atividades pré-leitura – onde prepararemos os alunos para as questões temáticas da obra, com atividades mais lúdicas ou “gamificadas,” com intuito apenas de introduzir os temas chaves da obra. 

2- Atividades de leitura – onde os alunos farão a leitura da obra de forma individual e tomarão nota do que julgarem necessário para uma melhor compreensão do texto. Anotando todas as palavras e sentenças que não conseguirem compreender com completude. 

3- Atividades pós-leitura – nesse momento, munidos de suas anotações e do máximo de informações sobre a compreensão ou não dos alunos criaremos atividades “avaliar” a capacidade de compreensão e posteriormente de interpretação do texto.


El mundo Transparente 

Atividades pré-leitura 

1- Warmup. 

1- Durante esta atividade que deve ser de curta duração. Podemos explorar o conhecimento prévio dos alunos sobre o tema que iremos trabalhar. Através de um “quiz” – perguntas de conhecimento sobre algum tema específico – podemos dividir a sala em dois grupos. Desenhar um jogo da velha no quadro, cada grupo terá a oportunidade de responder uma pergunta sobre obras literárias e cinematográficas que tratam do tema distopia. Para preparar essas perguntas o professor deve ter de antemão informações que podem ser colhidas no decorrer das aulas, como o tipo de livro eles leem – se é que leem, que tipo de filmes ou séries eles assistem, ou seja, qual o tipo de entretenimento mais comum entre eles que podem ser ajustado ao tema distopia. As perguntas deverão ter três opções de onde eles devem apontar a que consideram correta, caso eles acertem a alternativa ele terá que escolher um dos quadrados do jogo da velha, se eles errarem a resposta o outro grupo tem o direito de escolher um quadrado do jogo da velha, vence que fechar a primeira sequência de três quadrados na vertical horizontal ou transversal. 

2- Fazer uma breve explicação do que seria uma sociedade distópica e seu contraste com a utopia. Para esse momento acreditamos que seja relevante perguntar aos alunos sobre o que esperam para as futuras gerações e se nosso mundo se aproximara mais de uma sociedade utópica ou pelo contrário distópica, seria uma conversa informal que servirá também para engaja-los no tema.


3- Apresentar aos alunos uma série de palavras chaves e dar exemplos contextualizados retirados do texto. Praticar com os alunos, para permitir uma maior fluidez na leitura do conto.


Atividades de leitura. 

1- Daremos um texto para cada aluno ler individualmente e em silêncio, tomando nota do que julgar necessário para elucidar sua compreensão. 

2- Caso julgue necessário e dispor de tempo o professor proporá que os alunos leiam em voz alta alguns trechos específicos como prática oral e de compreensão. 

Atividade pós-leitura 

1- Após a leitura do conto, devemos fazer um breve bate-papo com os alunos colhendo suas impressões sobre o texto. 

2- Dividir os alunos em 2 grupos – dependendo do número de alunos. Cada um dos grupos deverá discutir entre eles para tentar entender o paradoxo proposto pela história. 

3- Depois de discutirem por algum momento devemos novamente colher novos depoimentos sobre como eles entenderam o texto. 

4- Em seguida devemos ressaltar uma dicotomia evidenciada pelo texto e estabelecer que o grupo A, defenderá um dos lados e o grupo B será a oposição.


5- Intervenção linguística. Retirar do texto estruturas chaves que facilitam a compreensão do enredo. Por exemplo:









Pró-T.V.I 

Verdad es que las primeras reacciones colectivas ante al fenómeno del ojo universal fueron realmente graciosas y me atrevería a calificar de benefactoras para os usos y costumbres sociales. 

Resulta ocioso decir que los ladrones y criminales profesionales desaparecieron casi totalmente. 

Las cárceles se transformaron en sitios confortables y humanos donde no maltrataba a los reclusos. 

Los internados, reformatorios campos de trabajo y el mismo ejército, eran ejemplo de civilidad, corrección y buenas costumbres. Por cierto, que como es natural, la vida política y administrativa del mundo mejoró enormemente con aquella transparencia.


Contra- T.V.I. 

La mentalidad de la gente cambió en pocos meses de manera inconcebible 

Jamás se ha producido una metamorfosis, a lo largo de la historia, de la psicología colectiva, tan radical y dramática 

Pero los hombres más sensibles primero, y luego absolutamente todos, entraron en una situación de angustia inenarrable 

El hombre perdió en absoluto toda su autonomía y capacidad de iniciativa. 

hubo personas, las más sensibles, que incapaces de vivir en aquel estado de constante tensión, perdieron el seso total o parcialmente. 

Quedaba demostrado una vez más que la perfección pública ha de conseguirse respetando la libertad individual.

Dicotomia proposta pelo conto “El Mundo Transparente” Quais são as necessidades reais do ser humano? 
Grupo A – Liberdade total do indivíduo. 
Grupo B – Um governo rígido e que tenha autoridade total sobre todos.


6.1 – Debate -  Acreditamos que a melhor forma de encerrar essa atividade é pedindo para que os próprios alunos produzam seus próprios conteúdos linguísticos para expressar suas opiniões sobre o texto. A nossa primeira proposição é a preparação de um debate entre os dois grupos já preestabelecidos e pedir que que cada grupo eleja um porta voz que deverá ler um discurso na aula seguinte com argumentos utilizados durante o debate. Cada grupo discutirá e apresentará 10 argumentos defendendo seu lado no debate. A função do grupo é responder o seguinte questionamento.


Quais são as necessidades reais para o ser humano viver em sociedade?

Grupo A
Liberdade total do indivíduo.

Grupo B
Um governo rígido e que tenha autoridade total sobre todos.

6.2- Discurso final - Outra produção por parte dos alunos será a produção coletiva de um discurso, seguindo todas as estratégias linguísticas, como introdução, desenvolvimento, conclusão, clareza e coesão. Deixa claro aos alunos que serão esses os elementos para avaliação. O grupo deverá eleger um porta-voz para fazer o discurso defendendo seu ponto de vista. Observe que não será necessariamente a opinião do grupo, mas a opinião imposta a eles por meio de sorteio no início da atividade. 

6.3 – Diálogo – Atuação. Como forma de ainda utilizar o texto para mais produções linguísticas. Sugerimos que em uma aula posterior o professor possa trabalhar com os alunos o uso do discurso direto. Aproveitamos que o conto é todo em discurso indireto, onde um narrador descreve todos os acontecimentos, podemos pedir aos alunos que façam um exercício de imaginação e criem personagens que seriam introduzidos na história de “El mundo transparente”. A intenção dessa atividade é criar diálogos entre essas personagens criadas pelos alunos, em primeira pessoa. O intuito é linguístico, por isso devemos ajudar os alunos a criar os diálogos na língua alvo. Como se trata de diálogos, essa atividade poderia ser feita em duplas ou trios.

Exemplo: Imagine como seria um professor que fosse pego usando discursos ideológicos em sala de aula, o que causaria a repulsa por parte dos pais que por sua vez, exigiriam a expulsão desse profissional da escola. Como esse professor fora visto por todos defendendo entre seus alunos uma ideia não aceita socialmente, ele não conseguiria emprego em nenhuma outra escola e por não ter mais condições de sustentar sua esposa e filhos pequenos, é abandonado por estes e passa a ser um andarilho pelas ruas de um mundo transparente. Após a criação dos diálogos entre os personagens imaginados pelos alunos estes poderiam praticá-los de forma oral até que atinja uma reprodução satisfatória para que possam a posteriori produzir um vídeo atuando como estes personagens.

Conclusão: Todas as atividades elencadas aqui são plenamente realizáveis e facilmente adaptáveis para qualquer particularidade de suas turmas. Creio que como uma aula inicial para introduzir um texto literário em uma aula de língua este conto de Francisco Pavón parece ser muito eficaz. Para dar continuidade nesse processo, poderemos apresentar aos alunos uma outra obra, desta vez elevando a complexidade da leitura.

No entanto, creio que o tema distopia pode continuar sendo aplicado, para isso temos alguns clássicos da literatura mundial que podem servir a esse intuito, como, “Admirável mundo novo” de Huxley e “1984” de Orwell. Para ajudar no processo de engajamento o professor conta com uma serie de ferramentas ilustrativas como filmes e series que exploram esse tema ao extremo e são muito populares entre os adolescentes.

Fontes: 
  • COSSON, Rildo. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo: Editora Contexto, 2009. 
  • MOTA, F. LITERATURA E(M) ENSINO DE LÍNGUA ESTRANGEIRA. Fólio – Revista de Letras, Vitória da Conquista, v.2, n.1, p. 101-111, jan/jun. 2010. Acesso em: 20 de novembro de 2018.
  • OSCAR, J.L. Funciones de la literatura en la enseñanza de segundas lenguas. Articulo de Fondo. Boletín de Asele. 2003.
André Stanley é escritor e professor de História, Inglês e Espanhol, autor do livro "O Cadáver", editor dos blogs: (Blog do André Stanley, Stanley Personal Teacher). Colaborador do site especializado em Heavy Metal Whiplash. Foi um dos membros fundadores da banda de Heavy Metal mineira Seven Keys. Também é fotógrafo e artista digital.




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