domingo, 28 de julho de 2013

Duetos com Fidel.





Uma adolescente, que acabava de inaugurar seu primeiro tampax, 13 anos recém completados mas com corpinho de 18. Classe média alta, nariz empinado e um short jeans por demais curto. Em sua blusa extremamente cavada, nota-se a estampa de um imponente homem barbado de boina militar. Lorraine igualmente loira e adolescente de borbulhantes hormônios passa pela garota, gosta da camiseta e diz a si mesma: “Não sei, mas parece que já vi aquela figura em algum lugar... se eu achar uma dessas na cor vinho eu compro, parece ser de uma boa grife.” 

Lorraine, num domingo qualquer vai ao estádio com o namorado assistir Cruzeiro e Atlético – clássico do futebol mineiro – É atleticana roxa, afinal se não fosse não teria namorado. Este é apaixonado desde criancinha pelo time alvinegro. Na torcida adversária a garota nota que uma bandeira enorme estampa o rosto de um cara barbado de boina militar: “Parece que já vi aquela imagem em algum lugar” – diz a garota para si própria. Continua assistindo ao jogo, ao lado do namorado que berra como uma seriema com prisão de ventre. Quando o Cruzeiro marca 1 a 0. Tristeza total. “Meu Deus, tomara que o galo ao menos empate, ou então não vou aguentar a choradeira do meu amor” – pensa consigo a preocupada Lorraine. 

“Já sei! Aquela bandeira tem a mesma figura que vi estampada na blusa daquela menina... a vadia era cruzeirense, como pude achar aquilo bonito, é a figura mais feia que já vi” – julga -se  em pensamento.

Lorraine chega um dia à escola e vê um professor de história com uma camiseta com a mesma imagem do cara barbudo de boina militar, professor que aliás, será seu professor de história no próximo ano. 

“Professor Ricardo, eu nunca pensei que ele fosse cruzeirense, por que usa aquela camisa?” Pensa a decepcionada Lorraine. Dias depois sentada na cantina com as amigas, Lorraine repara no decote da bela blusinha verde limão da companheira de lanche e sua colega de sala, se conheceram no inicio daquele ano letivo. “Belo decote Mercedes, aparece quase metade dos seios, em mim ficaria um arraso afinal meus seios são muito maiores” – Pensa uma prepotente Lorraine de seios fartos. 

Mas enquanto apreciava e invejava o decote da amiga, algo de súbito lhe tira a concentração. Um colar simples - na verdade um cordão desses que os estudantes de humanas costumam vender na feira livre - e um pingente bem discreto com um rosto que lhe parece familiar, um cara barbudo com boina de soldado. Lá das profundezas de sua garganta suas cordas vocais quase instantaneamente, talvez antes mesmo de perceber atentamente a figura, desfere em um só golpe tal pergunta adormecida em mente juvenil: 

- Mercedes! Onde comprou esse colar? Não sabia que era cruzeirense! 

- Cruzeirense... eu? Respondeu sua amiga intrigada. 

- De maneira alguma, nem de futebol eu gosto, mas se quer saber onde arranjei esse colar, você não vai acreditar. O Roberto deu pra mim – respondeu Mercedes. 

-Vocês não tão ficando, estão? – pergunta Lorraine em tom de reprovação. 

- Ah... a gente ficou umas duas vezes – responde a amiga, meio sem graça. 

- Mas por que diabos esse cara te deu um colar do Cruzeiro? Pergunta uma irritada Lorraine.

- Não é do Cruzeiro, esse cara aqui é um cantor cubano chamado Che Guevara... nunca ouviu falar? Pergunta Mercedes meio que sem entender de onde a amiga havia tirado aquela ideia de que o cordão que usava era do Cruzeiro.

- Ah... você só pode estar brincando? - Diz Lorraine sem esconder o espanto, mas ao mesmo tempo, não querendo revelar o fato de ter associado a imagem que viu na bandeira do Cruzeiro com o cantor cubano pendurado no pescoço da amiga, "...afinal esse cantor deve ser cruzeirense, ou deve ter composto alguma música que fale do Cruzeiro, por isso os torcedores cruzeirenses usam aquela bandeira. Mas ela falou que o cara é cubano, como poderia conhecer um time de futebol brasileiro..." A menina ficou ainda mais desnorteada. No entanto, já sabia agora o nome do cara barbudo com boina de soldado. "Che Guevara!"

Um belo dia sua professora de história faltou, pois havia contraído uma virose. Como desejava que aquela virose se prolongasse até o final do ano. Mas o fato é que o professor substituto era Ricardo, o professor do próximo ano. "Esse sim era um gato, não vejo a hora de tê-lo como professor ano que vem." – pensou a garota quando Ricardo adentrava a sala. No decorrer da aula não se conteve e quis demonstrar um afeto desmedido pelo professor: 

- Professor, seja bem vindo, vamos ser seus alunos ano que vem, então pega leve com a gente – o comentário tirou apenas alguns sorrisos automáticos dos colegas de sala, mas sempre que surgia uma oportunidade punha o professor em maus lençóis com seus comentários de adolescente no cio. Ao dar o sinal do intervalo, a menina, feito uma cadelinha amestrada, fica de papo com o professor para demonstrar intimidade, e mostrar aos colegas e principalmente às colegas o quanto era preferida do professor mais bonitão da escola. Mas de repente se lembra que um dia vira Ricardo com uma camisa, aquela do cara barbado com boina "...como era mesmo o nome dele?...Che Guevara! É esse o nome do cara, É um cantor cubano..." agora lembrava nitidamente, um conhecimento e tanto para demonstrar ao professor. Logo formulou uma compilação de pensamentos em relação ao cantor cubano e disparou sem medo: 

- Professor sei que gosta de música cubana. 

- E como é que sabe, que gosto de música cubana? Perguntou o professor calmamente, pois conhecia tanto de música cubana quanto de culinária acriana. 

 - Só de olhar para o senhor eu percebi que é um fã de Che Guevara - Disse a garota demonstrando confiança em sua feição de retrato renascentista.

 - Fã de Che Guevara? Como assim? Perguntou perplexo o professor. 

- Calma teacher, o senhor não é o único que gosta, eu ouço muito o “Gueva”. – disse a menina tentando soar íntima do eminente artista cubano que uns tempos antes era um símbolo cruzeirense. 

- Ah... você ouve muito o “Gueva”. Posso perceber que é bem intima dele, encontrou até uma forma carinhosa de chamá-lo, creio que sua mãe o chamava assim.Disse Ricardo cinicamente, já antevendo uma satírica intervenção. 

- O Senhor não teria um CD dele pra me emprestar?... eu tenho somente algumas músicas gravadas, que não estão em bom estado. Perguntou a garota já tentando vislumbrar uma intimidade maior com o mestre. Esse no entanto já se entregara inteiramente à magnifica gafe da menina, e desferiu. 

- Claro, tenho todos os CDs do “Gueva”, qual você quer primeiro? Perguntou o professor escondendo sua perplexidade diante da inocência da garota, e ao mesmo tempo aproveitando da grandiloquente oportunidade de escarnio.

- Qual a Senhor considera melhor? Perguntou a menina, querendo ser simpática com o gosto de Ricardo, esse por sua vez desfere; 

- Duetos com Fidel! Esse é certamente o melhor de todos...



 



André Stanley alcunha de André Luiz Ribeiro é professor e escritor; autor do livro “O Cadáver” (Editora Multifoco – 2013); É membro efetivo da Asso. Dos Historiadores e pesquisadores dos Sertões do Jacuhy desde 2004. Atua hoje como professor e pesquisador de História Cultural. Também leciona língua inglesa, idioma que domina desde a adolescência, Administra e escreve para os blogs: Blog do André Stanley (blogdoandrestanley.blogspot.com) – Sobre História, política, arte, religião, humor e assuntos diversos e Stanley Personal Teacher (stanleypersonalteacher.blogspot.com) onde da dicas de Inglês e posta exercícios para todos os níveis.






*O autor permite a reprodução desse artigo contanto que lhe seja creditada a devida autoria.

Um comentário:

  1. O Conto acima é uma criação fictícia, mais com elementos tirados de fatos que realmente ocorreram e ocorrem todos os dias. O cara barbudo de boina militar que estampa capas de revistas de história, de fofocas e até quadrinhos, e é usada por torcidas de futebol como símbolo, e até mesmo algumas grifes de fama já aderiram ao tal barbudo de boina. Ernesto Guevara de la Serna foi o embrião do mito conhecido como Che Guevara. Mito criado como antítese do capitalismo e até mesmo como um santo milagreiro. Para entrarmos em contato com o mito devemos de alguma forma negligenciar o homem, pois Che Guevara é a figura mais paradoxal que o século XX já criou. Enquanto estudante de medicina e viajante aventureiro teve momentos quase messiânicos, ajudou leprosos e não fazia questão de dar dinheiro a quem precisasse. Enquanto líder guerrilheiro executou prisioneiros e até mesmo um garoto de 15 anos. São na verdade dois extremos de um mesmo indivíduo, por isso será sempre necessário uma análise fria e crua dessa figura... reconstruir o mito que surgiu das cinzas do cadáver de um homem chamado Ernesto, não é tarefa fácil. Enquanto isso sua imagem se torna uma das mais recorrentes na cultura pop.

    ResponderExcluir

Postagens Populares